Introdução
O objetivo da pesquisa em psicologia evolucionista é descobrir e entender o design da mente humana. A psicologia evolucionista é uma abordagem à psicologia, na qual conhecimentos e princípios da biologia evolucionista são postos em uso na pesquisa sobre a estrutura da mente humana. Não é uma área de estudo, como a visão, o raciocínio ou o comportamento social. É um modo de pensar acerca da psicologia que pode ser aplicado a qualquer tópico dentro dela.
Nesta visão, a mente é um conjunto de máquinas de processamento de informação que foram projetadas pela seleção natural para resolver problemas adaptativos encarados pelos nossos ancestrais caçadores-coletores. Este modo de pensar a respeito do cérebro, da mente e do comportamento está modificando a maneira como os cientistas abordam velhos tópicos e abrindo novos tópicos. Este capítulo é uma cartilha sobre os conceitos e argumentos que o animam.
Pervertendo a Mente: o Presente e o Passado da Psicologia Evolucionista
Nas páginas finais de A Origem das Espécies, após ter apresentado a teoria da evolução pela seleção natural, Darwin fez uma previsão ousada: “No futuro distante vejo campos abertos para pesquisas muito mais importantes. A psicologia se baseará num novo fundamento, o da necessária aquisição de cada potência e capacidade mental por gradação.” Trinta anos depois, William James tentou fazer exatamente isso em seu livro seminal Princípios de Psicologia, uma das obras fundadoras da psicologia experimental (James, 1890). Nos Princípios, James falou bastante de “instintos”. Esse termo era usado para se referir (grosso modo) a circuitos neurais especializados que são comuns a todo membro de uma espécie e são produtos da história evolutiva dessa espécie. Tomados em conjunto, tais circuitos constituem (em nossa própria espécie) o que podemos pensar como “natureza humana”.
Era (e é) comum pensar que os outros animais são governados pelo “instinto” enquanto os humanos perderam os seus instintos e são governados pela “razão”, e que é por isso que somos tão mais flexivelmente inteligentes do que os outros animais. William James tinha a opinião oposta. Ele argumentou que o comportamento humano é mais flexivelmente inteligente do que o dos outros animais porque temos mais instintos que eles, não menos. Entretanto, tendemos a ser cegos para a existência desses instintos precisamente porque eles funcionam tão bem: porque processam informação com tão pouco esforço e de modo tão automático. Eles estruturam o nosso pensamento de modo tão poderoso, ele argumentou, que pode ser difícil imaginar como as coisas poderiam ser de outro modo. Como resultado, fazemos pouco caso do comportamento “normal”. Não nos damos conta sequer de que o comportamento “normal” precisa ser explicado. Essa “cegueira para o instinto” torna difícil o estudo da psicologia. Para ultrapassar esse problema, James sugeriu que tentemos fazer o “natural parecer estranho”:
É preciso (…) uma mente pervertida pela instrução para executar o processo de fazer o natural parecer estranho a ponto de perguntar do porquê de qualquer ato humano instintivo. Só ao metafísico podem ocorrer questões como: Por que, quando felizes, sorrimos, e não fazemos cara de carrancudo? Por que não conseguimos falar com uma multidão como falamos com um amigo só? Por que uma donzela em particular mexe tanto com o nosso juízo? O homem comum só pode dizer: “é claro que sorrimos, é claro que nosso coração palpita com a visão da multidão, é claro que amamos a donzela, aquela bela alma envolta de perfeita forma, feita tão palpável e flagrantemente para, por toda a eternidade, ser amada!”
E da mesma forma, provavelmente, se sente cada animal acerca das coisas particulares que tende a fazer na presença de objetos particulares. (…) Para o leão é a leoa que foi feita para ser amada; para o urso, a ursa. Para a galinha choca provavelmente pareceria monstruosa a noção de que haveria uma criatura no mundo para quem um ninho cheio de ovos não fosse o objeto completamente fascinante, precioso e no qual jamais se pode sentar demais que ele é para ela.
Assim podemos estar certos de que, por mais misteriosos que os instintos de alguns animais possam nos parecer, nossos instintos parecerão em nada menos misteriosos a eles. (William James, 1890)
Na nossa opinião, William James estava certo sobre a psicologia evolucionista. Fazer o natural parecer estranho não é natural: requer a perspectiva distorcida vista, por exemplo, nos cartuns de Gary Larson. Não obstante, é uma parte essencial do empreendimento. Muitos psicólogos evitam o estudo de competências naturais, pensando que nada há para ser explicado. Como resultado, os psicólogos sociais ficam decepcionados a não ser que encontrem um fenômeno “que surpreenderia as suas avós” e os psicólogos cognitivos passam mais tempo estudando o modo como resolvemos problemas em que somos ruins, como aprender matemática ou jogar xadrez, do que aqueles em que somos bons. Mas competências naturais — nossas capacidades de ver, falar, achar algo belo, retribuir um favor, temer doenças, apaixonar-nos, iniciar um ataque, sentir indignação moral, navegar uma paisagem e uma miríade de outras — são possíveis somente porque há uma série vasta e heterogênea de maquinarias computacionais complexas sustentando e regulando essas atividades. Essas maquinarias funcionam tão bem que nem nos damos conta de que existem: sofremos todos de cegueira para o instinto. Como resultado, os psicólogos negligenciaram o estudo de algumas das mais interessantes maquinarias na mente humana.
Uma abordagem evolucionista oferece poderosas lentes para a correção da cegueira para o instinto. Ela permite reconhecer quais competências naturais existem, indica que a mente é uma coleção heterogênea dessas competências e, o mais importante, oferece teorias positivas dos seus designs. Einstein uma vez comentou que “É a teoria que decide o que podemos observar”. Um foco evolucionista é valioso para os psicólogos, que estão estudando um sistema biológico de fantástica complexidade, porque pode fazer com que os intrincados delineamentos do design da mente se sobressaiam em nítido realce. Teorias de problemas adaptativos podem guiar a busca pelos programas cognitivos que os resolvem; saber quais programas existem pode, por sua vez, guiar a busca pela sua base neural. (Veja a Figura 1.)
O Modelo Padrão das Ciências Sociais
Um colega nosso, Don Symons, gosta de dizer que você não consegue entender o que uma pessoa está dizendo até entender com quem ela está discutindo. Aplicar a biologia evolucionista ao estudo da mente colocou a maioria dos psicólogos evolucionistas em conflito com uma visão tradicional da sua estrutura, a qual surgiu muito antes de Darwin. Essa visão não é nenhuma relíquia histórica: ela continua altamente influente, mais de um século depois que Darwin e William James escreveram.
Tanto antes como depois de Darwin, uma visão comum entre os filósofos e cientistas tem sido que a mente humana se assemelha a uma lousa em branco, praticamente livre de conteúdo até nela escrever a mão da experiência. Segundo Aquino, não há “nada no intelecto que não tenha estado anteriormente nos sentidos”. Trabalhando dentro dessa moldura, os empiristas britânicos e seus sucessores produziram teorias elaboradas acerca de como a experiência, refratada por um pequeno punhado de procedimentos mentais inatos, inscrevia conteúdo na lousa mental. A visão de David Hume era típica e estabeleceu o padrão para muitas teorias posteriores nas ciências da psicologia e da sociologia: “[…] parece haver somente três princípios de conexão entre ideias, a saber, semelhança, contiguidade no tempo e no espaço e causa ou efeito.”
Passados os anos, a metáfora tecnológica usada para descrever a estrutura da mente humana foi atualizada consistentemente, de lousa em branco, para central telefônica, para computador de propósito geral, mas o princípio central dessas visões empiristas permaneceu o mesmo. De fato, tornou-se a ortodoxia reinante na corrente dominante da antropologia, da sociologia e da maioria das áreas da psicologia. Segundo essa ortodoxia, todo conteúdo específico da mente humana deriva do “exterior” — do ambiente e do mundo social — e a arquitetura evoluída da mente consiste só ou predominantemente num pequeno número de mecanismos de propósito geral que são independentes de conteúdo e que recebem nomes como “aprendizado”, “indução”, “inteligência”, “imitação”, “racionalidade”, “a capacidade para a cultura” ou simplesmente “cultura”.
Segundo essa visão, pensa-se que os mesmos mecanismos governam a maneira como alguém adquire uma língua, como aprende a reconhecer expressões emocionais, como pensa sobre incesto ou como adquire ideias e atitudes acerca de amigos e reciprocidade — tudo menos percepção. Isso é porque se presume que os mecanismos que governam o raciocínio, o aprendizado e a memória operam de modo uniforme, segundo princípios imutáveis, independentemente do conteúdo em que estão operando ou da categoria ou domínio mais amplo envolvido. (Por essa razão, são descritos como independentes de conteúdo e gerais quanto a domínio.) Tais mecanismos, por definição, não têm conteúdo preexistente nenhum embutido nos seus procedimentos, não são projetados para construir certos conteúdos mais prontamente do que outros e não têm características especializadas para processar tipos específicos de conteúdo. Como esses mecanismos mentais hipotéticos não têm nenhum conteúdo para comunicar, segue-se que todas as particularidades do que pensamos e sentimos derivam do exterior, do mundo físico e social. O mundo social organiza e injeta significado nas mentes individuais, mas a nossa arquitetura psicológica humana universal não tem nenhuma estrutura distintiva que organiza o mundo social ou o imbui de significados característicos. Segundo essa visão familiar — o que chamamos em outro lugar de Modelo Padrão das Ciências Sociais — os conteúdos das mentes humanas são primeira, ou inteiramente, livres construções sociais e as ciências sociais são autônomas e desconectadas de qualquer fundamento evolutivo ou psicológico (Tooby & Cosmides, 1992).
Três décadas de progresso e convergência na psicologia cognitiva, na biologia evolucionista e na neurociência mostraram que essa visão da mente humana é radicalmente defeituosa. A psicologia evolucionista oferece uma moldura alternativa que está começando a substituí-la. Nessa visão, todas as mentes humanas desenvolvem fiavelmente uma coleção padrão de circuitos de raciocínio e regulação que são especializados em termos de função e, frequentemente, específicos quanto a domínio. Esses circuitos organizam o modo como interpretamos as nossas experiências, injetam certos conceitos e motivações recorrentes na nossa vida mental e oferecem molduras universais de significado que nos permitem entender as ações e intenções dos outros. Debaixo do nível da variabilidade de superfície, todos os humanos compartilham certas opiniões e pressupostos acerca da natureza do mundo e da ação humana em virtude desses circuitos universais humanos de raciocínio.
Voltando aos Fundamentos
Como é que os psicólogos evolucionistas (PEs) chegaram a essas opiniões? Ao repensar um campo, às vezes é necessário voltar aos primeiros princípios, fazer perguntas básicas como “O que é comportamento?”, “O que queremos dizer por ‘mente’?”, “Como pode algo tão intangível como uma ‘mente’ ter evoluído e qual é a sua relação com o cérebro?”. As respostas a tais questões oferecem a moldura na qual operam os psicólogos evolucionistas. Tentaremos resumir algumas aqui.
A psicologia é um ramo da biologia que estuda (1) cérebros, (2) a maneira como cérebros processam informação e (3) a maneira como os programas de processamento de informação do cérebro geram comportamento. Quando nos damos conta de que a psicologia é um ramo da biologia, ferramentas de inferência desenvolvidas na biologia — suas teorias, princípios e observações — podem ser usadas para entender a psicologia. Aqui estão cinco princípios básicos — todos extraídos da biologia — que PEs aplicam nas suas tentativas de entender o design da mente humana. Os Cinco Princípios podem ser aplicados a qualquer tópico na psicologia. Eles organizam observações de um modo que nos permite enxergar conexões entre áreas aparentemente diversas como a visão, o raciocínio e a sexualidade.
Princípio 1. O cérebro é um sistema físico. Ele funciona como um computador. Seus circuitos são projetados para gerar comportamento que seja apropriado às suas circunstâncias ambientais
O cérebro é um sistema físico cuja operação é governada unicamente pelas leis da química e da física. O que isso significa? Significa que todos os seus pensamentos, esperanças e sonhos são produzidos por reações químicas ocorrendo dentro da sua cabeça (algo que dá o que pensar). A função do cérebro é processar informação. Em outras palavras, ele é um computador que é feito de células: principalmente neurônios e as suas estruturas de apoio. Neurônios são células que são especializadas para a transmissão de informação. Reações eletroquímicas fazem com que neurônios se ativem.
Neurônios se conectam uns aos outros de um modo altamente organizado. Podemos pensar nessas conexões como circuitos: como um computador tem circuitos. Esses circuitos determinam a maneira como o cérebro processa informação, como os circuitos do seu computador determinam a maneira como ele processa informação. Circuitos neurais no seu cérebro estão conectados a conjuntos de neurônios que percorrem o seu corpo. Alguns desses neurônios se conectam a receptores sensoriais, como a retina do seu olho. Outros se conectam aos seus músculos. Receptores sensoriais são células que são especializadas para colher informação do mundo externo e de outras partes do corpo. (Você pode sentir o seu estômago embrulhar porque há receptores sensoriais nele, mas você não pode sentir o seu baço, que carece deles.) Receptores sensoriais se conectam a neurônios que transmitem essa informação ao seu cérebro. Outros neurônios enviam informação do seu cérebro a neurônios motores. Neurônios motores se conectam aos seus músculos; eles fazem com que os seus músculos se movimentem. Esse movimento é o que chamamos de comportamento.
Organismos que não se movem não têm cérebros. Árvores não têm cérebros, arbustos não têm cérebros, flores não têm cérebros. De fato, há alguns animais que não se movem durante certos estágios das suas vidas. E durante esses estágios, eles não têm cérebros. A ascídia, por exemplo, é um animal aquático que habita oceanos. Durante o primeiro estágio da sua vida, a ascídia fica a nadar procurando um bom lugar para se fixar permanentemente. Quando encontra a rocha certa, e se fixa nela, ela não precisa mais do seu cérebro porque nunca precisará se movimentar de novo. Então ela come (reabsorve) a maior parte do seu cérebro. Afinal, por que desperdiçar energia num órgão agora inútil? Melhor fazer dele uma boa refeição.
Em suma, os circuitos do cérebro são projetados para gerar movimento — comportamento — em resposta a informação do ambiente. A função do seu cérebro — esse computador úmido — é gerar comportamento que seja apropriado às suas circunstâncias ambientais.
Princípio 2. Nossos circuitos neurais foram projetados pela seleção natural para resolver problemas que os nossos ancestrais encararam durante a história evolutiva da nossa espécie
Dizer que a função do seu cérebro é gerar comportamento que seja “apropriado” às suas circunstâncias ambientais não é dizer muito, a não ser que você tenha alguma definição do que “apropriado” significa. O que conta como comportamento apropriado?
“Apropriado” tem significados diferentes para organismos diferentes. Você tem receptores sensoriais que são estimulados pela visão e o cheiro de fezes — sendo mais diretos, você pode ver e cheirar esterco. Uma mosca também pode. Mas ao detectar a presença de fezes no ambiente, o que conta como comportamento apropriado para você difere do que é apropriado para a mosca. Ao cheirar fezes, comportamento apropriado para uma mosca fêmea é mover-se em direção às fezes, aterrissar nelas e botar seus ovos. Fezes são comida para uma larva de mosca: portanto, comportamento apropriado para uma larva de mosca é comer esterco. E, porque moscas fêmeas se encontram próximas a montes de esterco, comportamento apropriado para uma mosca macho é ficar zumbindo em torno desses montes, tentando acasalar; para uma mosca macho, um monte de esterco é uma boate.
Mas para você, fezes são uma fonte de doenças contagiosas. Para você, não são comida, não são um bom lugar para criar seus filhos e não são um bom lugar para buscar um encontro. Porque um monte de esterco é uma fonte de doenças contagiosas para um ser humano, comportamento apropriado para você é afastar-se da fonte do cheiro. Talvez os seus músculos faciais venham a formar a expressão de nojo transculturalmente universal também, em que o seu nariz enruga para proteger os olhos e o nariz dos materiais voláteis e a língua projeta-se levemente, como faria se você estivesse ejetando algo da sua boca.
Para você, aquele monte de esterco é “nojento”. Para uma mosca fêmea, procurando uma boa vizinhança e uma casa agradável para criar seus filhos, aquele monte de esterco é uma bela visão: uma mansão. (Ver um monte de esterco como uma mansão: Isso é o que William James queria dizer com fazer o natural parecer estranho.)
A ideia é que ambientes, por si sós, não especificam o que conta como comportamento “apropriado”. Em outras palavras, você não pode dizer “Meu ambiente me fez fazer isso!” e deixar as coisas por isso mesmo. Em princípio, um computador ou circuito poderia ser projetado para ligar qualquer estímulo no ambiente a qualquer tipo de comportamento. Qual comportamento um estímulo gera é uma função do circuito neural do organismo. Isso quer dizer que se você fosse um projetista de cérebros, você poderia ter projetado um cérebro humano para responder de qualquer modo que você quisesse, para ligar qualquer input a qualquer comportamento: você poderia ter feito uma pessoa que lambe os beiços e arruma a mesa ao cheirar uma bom monte fresquinho de esterco.
Mas o que fez o projetista efetivo do cérebro humano, e por quê? Por que achamos frutas doces e esterco nojento? Em outras palavras, como conseguimos os circuitos que temos, em vez de aqueles que a mosca tem?
Quando estamos falando de um computador doméstico, a resposta a essa questão é simples: os seus circuitos foram projetados por um engenheiro, e o engenheiro o projetou de um modo em vez de outro para que resolvesse problemas que o engenheiro queria resolver; problemas como adicionar, ou subtrair, ou acessar um endereço particular na memória do computador. Os seus circuitos neurais também foram projetados para resolver problemas. Mas eles não foram projetados por um engenheiro. Foram projetados pelo processo evolutivo, e a seleção natural é a única força evolutiva que é capaz de criar máquinas organizadas de modo complexo.
A seleção natural não funciona “pelo bem da espécie”, como muita gente pensa. Como discutiremos em mais detalhe abaixo, ela é um processo em que um traço de design fenotípico causa a sua própria propagação por uma população (o que pode acontecer até em casos em que isso leva à extinção da espécie). Por enquanto (para continuar com os nossos exemplos escatológicos) você pode pensar na seleção natural como o princípio “coma estrume e morra”. Todos os animais precisam de circuitos neurais que governam o que eles comem: saber o que é seguro comer é um problema que todos os animais devem resolver. Para os humanos, não é seguro comer fezes: são uma fonte de doenças contagiosas. Agora imagine um humano ancestral que tivesse circuitos neurais que fizessem estrume ter cheiro doce: que o fizessem querer se esbaldar sempre que passasse por um monte cheiroso de esterco. Isso aumentaria a sua probabilidade de contrair uma doença. Se ele ficasse doente como resultado, ele ficaria cansado demais para encontrar muita comida, exausto demais para ir procurar um parceiro sexual e poderia até ter uma morte inoportuna. Em contraste, uma pessoa com circuitos neurais diferentes — que a fizessem evitar fezes — ficaria doente com menor frequência. Ela provavelmente terá mais tempo para achar comida e parceiros sexuais e viverá uma vida mais longa. A primeira pessoa comerá esterco e morrerá; a segunda o evitará e viverá. Como resultado, o comedor de esterco terá menos filhos do que o evitador de esterco. Como os circuitos neurais dos filhos tendem a se assemelhar aos dos seus pais, haverá menos comedores de esterco na próxima geração e mais evitadores de esterco. Conforme esse processo continuar, geração após geração, os comedores de esterco acabarão desaparecendo da população. Por quê? Eles comeram esterco e se extinguiram. O único tipo de pessoas a restarem na população serão aquelas como eu e você: as que descendem dos evitadores de esterco. Não restará ninguém que tenha circuitos neurais que tornam esterco delicioso.
Em outras palavras, a razão por que temos um conjunto de circuitos em vez de outro é que os circuitos que temos foram melhores em resolver problemas que os nossos ancestrais encararam durante a história evolutiva da nossa espécie do que circuitos alternativos foram. O cérebro é um sistema computacional construído naturalmente cuja função é resolver problemas adaptativos de processamento de informação (tais como o reconhecimento facial, a interpretação de ameaças, a aquisição da língua ou a navegação). Durante o tempo evolutivo, os seus circuitos foram acrescentados cumulativamente porque eles “raciocinaram” ou “processaram informação” de um modo que melhorava a regulação adaptativa do comportamento e da fisiologia.
Dar-se conta de que a função do cérebro é o processamento de informação permitiu aos cientistas cognitivos resolver o problema mente/corpo (ou pelo menos uma versão dele). Para os cientistas cognitivos, cérebro e mente são termos que se referem ao mesmo sistema, que pode ser descrito de dois modos complementares: ou bem em termos das suas propriedades físicas (o cérebro), ou bem em termos da sua operação de processamento de informação (a mente). A organização do cérebro evoluiu porque essa organização física concretizou certas relações de processamento de informação: relações que eram adaptativas.
É importante dar-se conta de que os nossos circuitos não foram projetados para resolver qualquer problema. Eles foram projetados para resolver problemas adaptativos. Problemas adaptativos possuem duas características definidoras. Primeiro, são aqueles que surgiram constantemente durante a história evolutiva de uma espécie. Segundo, são problemas cuja solução afetou a reprodução de organismos individuais, por mais indireta que a cadeia causal possa ser e por menor que seja o efeito no número da prole produzida. Isso é porque a reprodução diferencial (e não sobrevivência em si) é o motor que move a seleção natural. Considere o destino de um circuito que tivesse o efeito, em média, de aumentar a taxa reprodutiva do organismo que o sustenta, mas que encurtasse a sua longevidade média ao fazê-lo (um que faz com que mães se arrisquem à morte para salvar seus filhos, por exemplo). Se esse efeito persistisse por várias gerações, a sua frequência na população aumentaria. Em contraste, qualquer circuito cujo efeito médio fosse diminuir a taxa reprodutiva dos organismos que o tivessem acabaria desaparecendo da população. A maioria dos problemas adaptativos têm a ver com como um organismo ganha a vida: o que ele come, o que o come, com quem ele acasala, com quem ele se socializa, como ele se comunica e assim por diante. O único tipo de problemas que a seleção natural pode projetar circuitos para resolver são problemas adaptativos.
Obviamente, podemos resolver problemas que nenhum caçador-coletor jamais teve que resolver: podemos aprender matemática, dirigir carros, usar computadores. Nossa capacidade de resolver outros tipos de problemas é um efeito colateral, ou um subproduto, de circuitos que foram projetados para resolver problemas adaptativos. Por exemplo, quando os nossos ancestrais se tornaram bípedes — quando começaram a andar com duas pernas, e não de quatro — eles começaram a desenvolver um muito bom senso de equilíbrio. E temos mecanismos bem intrincados no interior dos nossos ouvidos que nos permitem atingir o nosso excelente senso de equilíbrio. Ora, o fato de que podemos nos equilibrar bem sobre duas pernas enquanto nos movemos significa que podemos fazer outras coisas além de andar: significa que podemos andar de skate ou surfar nas ondas em cima de uma prancha de surfe. Mas os nossos ancestrais caçadores-coletores não surfavam nos tubos da sopa primordial. O fato de que podemos surfar e andar de skate são meros subprodutos de adaptações projetadas para nos equilibrarmos enquanto andamos com duas pernas.
Princípio 3. A consciência é só a ponta do iceberg; a maior parte do que ocorre na sua mente está ocultada de você. Como resultado, a sua experiência consciente pode ludibriá-lo a ponto de você pensar que os nossos circuitos são mais simples do que realmente são. A maioria dos problemas que você vivencia como simples de resolver são muito difíceis de resolver: requerem circuitos neurais muito complicados
Você não está, nem pode se tornar, consciente da maior parte das atividades em andamento no seu cérebro. Pense no cérebro como o governo federal inteiro e na sua consciência como o Presidente dos Estados Unidos. Agora pense no seu eu — o eu que você vivencia conscientemente como “você” — como o Presidente. Se você fosse o Presidente, como saberia o que está acontecendo no mundo? Membros do Gabinete, como o Secretário de Defesa, viriam e lhe contariam coisas: por exemplo, que os sérvios bósnios estão violando o seu acordo de cessar fogo. Como os membros do Gabinete sabem de coisas assim? Porque milhares de burocratas no Departamento de Estado, milhares de detetives da CIA na Sérvia e em outras partes do mundo, milhares de tropas posicionadas no exterior e milhares de repórteres investigativos estão colhendo e avaliando uma enorme quantidade de informação vinda do mundo todo. Mas você, enquanto Presidente, não sabe — e de fato não pode saber — o que cada um desses milhares de indivíduos estava fazendo ao colher toda essa informação durante os últimos meses: o que cada um deles viu, o que cada um deles leu, com quem cada um deles falou, que conversas foram gravadas clandestinamente, que escritórios foram grampeados. Tudo que você, enquanto Presidente, sabe é a conclusão final a que o Secretário de Defesa chegou com base na informação que lhe foi passada. E tudo que ele sabe é o que outros oficiais de alto nível passaram a ele, e assim por diante. De fato, nenhum indivíduo único sabe de todos os fatos acerca da situação, porque esses fatos estão distribuídos entre milhares de pessoas. Ademais, cada um dos milhares de indivíduos envolvidos sabe de variados detalhes acerca da situação que eles decidiram não serem importantes o bastante para passar para níveis mais altos.
O mesmo é o caso com a sua experiência consciente. As únicas coisas de que você se torna consciente são poucas conclusões de alto nível passadas por milhares e milhares de mecanismos especializados: alguns que estão colhendo informação sensorial do mundo, outros que estão analisando e avaliando essa informação, verificando inconsistências, preenchendo as lacunas, descobrindo o que tudo aquilo significa.
É importante para qualquer cientista que está estudando a mente humana ter isto em mente. Ao descobrir como a mente funciona, a sua experiência consciente de si mesmo e do mundo pode sugerir algumas hipóteses valiosas. Mas essas mesmas intuições podem ludibriá-lo seriamente também. Elas podem enganá-lo a ponto de você pensar que os nossos circuitos neurais são mais simples do que realmente são.
Considere a visão. A sua experiência consciente lhe diz que ver é simples: você abre os olhos, a luz bate na sua retina e — voilà! — você vê. É sem esforço, automático, fiável, rápido, inconsciente e requer nenhuma instrução explícita: ninguém precisa ir para a escola para aprender a ver. Mas essa aparente simplicidade é enganosa. A sua retina é uma camada bidimensional de células sensíveis à luz cobrindo o fundo interior do seu globo ocular. Descobrir quais objetos tridimensionais existem no mundo com base apenas nas reações químicas dependentes da luz ocorrendo nesse conjunto bidimensional de células coloca problemas enormemente complexos — tão complexos, de fato, que nenhum programador de computadores ainda foi capaz de criar um robô que veja do modo como vemos. Você vê com o seu cérebro, não só com os seus olhos, e o seu cérebro contém um conjunto vasto de circuitos direcionados e de propósito especial, sendo cada conjunto especializado para resolver um componente diferente do problema. Você precisa de variados tipos de circuito só para ver a sua mãe andar, por exemplo. Você tem circuitos que são especializados para (1) analisar o formato dos objetos; (2) detectar a presença do movimento; (3) detectar a direção do movimento; (4) julgar a distância; (5) analisar a cor; (6) identificar um objeto como humano; (7) reconhecer que o rosto que você vê é o rosto da Mamãe, não de outra pessoa. Cada circuito individual está gritando a sua informação para circuitos de nível mais alto, os quais verificam os “fatos” gerados por um circuito em comparação com os “fatos” gerados pelos outros, resolvendo contradições. Então essas conclusões são passadas para circuitos de nível ainda mais alto, que os reúnem e passam o relatório final para o Presidente: a sua consciência. Mas tudo que esse “presidente” se torna consciente é da visão de Mamãe andando. Embora cada circuito seja especializado para resolver uma tarefa delimitada, eles trabalham juntos para produzir um resultado funcional coordenado: nesse caso, a sua experiência consciente do mundo visual. Ver é sem esforço, automático, fiável e rápido precisamente porque temos toda essa maquinaria complicada e direcionada.
Em outras palavras, as nossas intuições podem nos enganar. Nossa experiência consciente de uma atividade como “fácil” ou “natural” pode nos levar a subestimar grosseiramente a complexidade dos circuitos que a tornam possível. Fazer o que vem “naturalmente”, sem esforço ou de modo automático raramente é simples de um ponto de vista da engenharia. Achar alguém belo, apaixonar-se, sentir ciúme, tudo isso pode parecer simples, automático e sem esforço como abrir os olhos e ver. Tão simples que parece não haver muito que explicar. Mas só sentimos essas atividades como sem esforço porque há uma vasta série de circuitos neurais complexos sustentando e regulando-os.
Princípio 4. Diferentes circuitos neurais são especializados para resolver diferentes problemas adaptativos
Um princípio básico da engenharia é que a mesma máquina raramente é capaz de resolver dois problemas diferentes igualmente bem. Temos tanto chaves de fenda como serras porque cada qual resolve um problema particular melhor do que o outro. Imagine só tentar cortar tábuas de madeira com uma chave de fenda ou girar parafusos com uma serra.
Nosso corpo é dividido em órgãos, como o coração e o fígado, exatamente por essa razão. Bombear sangue por todo o corpo e desintoxicar venenos são dois problemas muito diferentes. Consequentemente, o seu corpo tem uma máquina diferente para resolver cada um deles. O design do coração é especializado para bombear sangue; o design do fígado é especializado para desintoxicar venenos. O seu fígado não pode funcionar como uma bomba e o seu coração não é nada bom em desintoxicar venenos.
Pela mesma razão, as nossas mentes consistem num grande número de circuitos que são especializados em termos de função. Por exemplo, temos alguns circuitos neurais cujo design é especializado para a visão. Tudo que eles fazem é ajudar você a ver. O design de outros circuitos neurais é especializado para ouvir. Tudo que eles fazem é detectar mudanças na pressão do ar e extrair informação dela. Eles não participam da visão, do vômito, da vaidade, da vingança ou de qualquer outra coisa. Ainda outros circuitos neurais são especializados para a atração sexual: ou seja, eles governam o que você acha excitante sexualmente, o que você considera bonito, com quem você gostaria de namorar e assim por diante.
Temos todos esses circuitos neurais especializados porque o mesmo mecanismo raramente é capaz de resolver problemas adaptativos diferentes. Por exemplo, todos temos circuitos neurais projetados para escolher comida nutritiva com base no seu gosto e seu cheiro: circuitos que governam a nossa escolha de alimento. Mas imagine uma mulher que usasse esse mesmo circuito neural para escolher um par. Ela escolheria um homem deveras estranho (talvez uma barra de chocolate?). Para resolver o problema adaptativo de encontrar o par correto, as nossas escolhas devem ser guiadas por padrões qualitativamente diferentes do que ao escolhermos a comida correta ou o hábitat correto. Em consequência, o cérebro deve ser composto de uma grande coleção de circuitos, com diferentes circuitos especializados para resolver diferentes problemas. Você pode pensar em cada um desses circuitos especializados como um minicomputador que é direcionado a resolver um problema. Tais minicomputadores direcionados são às vezes chamados módulos. Então, em certo sentido, você pode ver o cérebro como uma coleção de minicomputadores direcionados: uma coleção de módulos. É claro que deve haver circuitos cujo design é especializado para integrar o output de todos esses minicomputadores direcionados para produzir comportamento. Assim, mais precisamente, pode-se ver o cérebro humano como uma coleção de minicomputadores direcionados cujas operações são integradas funcionalmente para produzir comportamento.
Os psicólogos têm há muito sabido que a mente humana contém certos circuitos que são especializados para diferentes modos de percepção, tais como a visão e a audição. Mas até recentemente, pensava-se que a percepção e, talvez, a linguagem fossem as únicas atividades causadas por processos cognitivos que são especializados (p. ex., Fodor, 1983). Outras funções cognitivas — o aprendizado, o raciocínio, a tomada de decisões —, pensava-se, são realizadas por circuitos que são de um propósito bastante geral: paus para toda obra, porém mestres de nenhuma. Os candidatos principais eram algoritmos “racionais”: que implementam métodos formais para o raciocínio indutivo e dedutivo, tais como a regra de Bayes ou o cálculo proposicional (uma lógica formal). Pensava-se que a “inteligência geral” — uma faculdade hipotética composta de circuitos de raciocínio simples que são poucos em número, independentes de conteúdo e gerais em termos de propósito — fosse o motor que gera soluções para problemas de raciocínio. A flexibilidade do raciocínio humano — ou seja, a nossa capacidade de resolver muitos tipos de problemas diferentes —, pensava-se, é evidência para a generalidade dos circuitos que a geram.
Uma perspectiva evolucionista sugere o contrário (Tooby & Cosmides, 1992). Máquinas biológicas são calibradas para os ambientes em que evoluíram e incorporam informação acerca das propriedades desses mundos ancestrais que recorrem de modo estável (por exemplo, mecanismos de constância de cor são calibrados para mudanças naturais na iluminação terrestre; como resultado, a grama parece verde tanto em pleno meio-dia como no pôr do sol, embora as propriedades espectrais da luz que ela reflete tenham mudado dramaticamente). Esse não é o caso com algoritmos racionais, porque são independentes de conteúdo. A Figura 2 mostra duas regras de inferência do cálculo proposicional, um sistema que permite que se deduzam conclusões verdadeiras de premissas verdadeiras, não importa qual seja o assunto: não importa a que P e Q se refiram. A regra de Bayes, uma equação para computar a probabilidade de uma hipótese com determinados os dados, é também independente de conteúdo. Pode ser aplicada indiscriminadamente a diagnósticos médicos, jogos de cartas, sucesso na caça ou qualquer outro assunto. Não contém conhecimento específico ao domínio, assim não pode apoiar inferências que se aplicariam à escolha de parceiro, por exemplo, mas não à caça. (Esse é o preço da independência de conteúdo.)
Solucionadores de problemas evoluídos, no entanto, são equipados com colas: eles chegam a um problema já “sabendo” bastante sobre ele. Por exemplo, o cérebro de um recém-nascido tem sistemas de resposta que “esperam” que rostos estejam presentes no ambiente: bebês de menos de 10 minutos viram os olhos e a cabeça em resposta a padrões parecidos com rostos, mas não a versões embaralhadas do mesmo padrão com frequências espaciais idênticas (Johnson & Morton, 1991). Bebês fazem fortes pressuposições ontológicas acerca de como o mundo funciona e que tipos de coisas ele contém — até aos 2 meses e meio (o ponto em que podem enxergar bem o bastante para serem testados). Eles presumem, por exemplo, que ele conterá objetos rígidos que são contínuos no espaço e no tempo e têm modos preferidos de analisar o mundo em termos de objetos separados (p. ex., Baillergeon, 1986; Spelke, 1990). Ignorando o formato, a cor e a textura, eles tratam como um único objeto qualquer superfície que seja coesa e delimitada e que se mova como uma unidade. Quando um objeto sólido parece passar através de outro, esses bebês ficam surpresos. Não obstante, um sistema sem nenhuma hipótese “privilegiada” — um sistema genuinamente “mente aberta” — permaneceria inalterado por tais demonstrações. Ao assistir a objetos interagindo, bebês de menos de um ano distinguem eventos causais de não causais que têm propriedades espaciotemporais semelhantes; eles distinguem objetos que se movem só quando se age sobre os mesmos daqueles que são capazes de movimento autogerado (a distinção inanimado/animado); eles presumem que o movimento autoimpulsionado de objetos animados é causado por estados internos invisíveis — objetivos e intenções — cuja presença deve ser inferida, já que estados internos não podem ser vistos (Baron-Cohen, 1995; Leslie, 1988; 1994). Crianças pequenas têm um sistema de “leitura de mente” bem desenvolvido, que usa a direção e o movimento dos olhos para inferir o que as outras pessoas querem, sabem e creem (Baron-Cohen, 1995) (quando esse sistema é prejudicado, como no autismo, a criança não consegue inferir o que os outros creem). Quando um adulto emite um som parecido com uma palavra enquanto aponta para um objeto novo, crianças pequenas presumem que a palavra se refira ao objeto inteiro, em vez de uma das suas partes (Markman, 1989).
Sem essas hipóteses privilegiadas — sobre rostos, objetos, causalidade física, outras mentes, significados de palavras e assim por diante — uma criança em desenvolvimento muito pouco poderia aprender sobre o seu ambiente. Por exemplo, uma criança com autismo que tem um QI normal e sistemas perceptuais intactos é, não obstante, incapaz de fazer inferências simples sobre estados mentais (Baron-Cohen, 1995). Crianças com síndrome de Williams sofrem de retardo profundo e têm dificuldade em aprender até tarefas muito simples, embora sejam boas em inferir os estados mentais de outras pessoas. Alguns dos seus mecanismos de raciocínio estão danificados, mas o sistema de leitura de mente delas está intacto.
Problemas diferentes exigem colas diferentes. Por exemplo, o conhecimento sobre intenções, crenças e desejos, que permite que se infira o comportamento das pessoas, será enganoso se aplicado a objetos inanimados. Duas máquinas são melhores do que uma quando a cola que ajuda a resolver problemas em um domínio é enganosa em outro. Isso sugere que muitos mecanismos computacionais evoluídos serão específicos ao domínio: eles serão ativados em alguns domínios mas não em outros. Alguns deles irão incorporar métodos racionais, mas outros terão procedimentos inferenciais de propósito especial que respondem não à forma lógica mas a tipos de conteúdo: procedimentos que trabalham bem dentro da estrutura ecológica estável de um domínio particular, embora possam levar a inferências falsas ou contraditórias se forem ativados fora desse domínio.
Quanto mais colas tem um sistema, mais problemas ele pode resolver. Um cérebro equipado com uma multiplicidade de geradores de inferências especializados será capaz de gerar comportamento sofisticado que está sintonizado sensivelmente ao seu ambiente. Nessa visão, a flexibilidade e o poder com frequência atribuídos a algoritmos independentes de conteúdo é ilusória. Tudo o mais sendo igual, um sistema rico em conteúdo será capaz de inferir mais do que um pobre em conteúdo.
Máquinas limitadas a executar a regra de Bayes, o modus ponens e outros procedimentos “racionais” derivados da matemática ou da lógica são fracas em termos de computação em comparação ao sistema delineado acima (Tooby & Cosmides, 1992). As teorias da racionalidade que eles incorporam são “livres de ambiente”: foram projetadas para produzir inferências válidas em todos os domínios. No entanto, elas podem ser aplicadas a uma ampla variedade de domínios só porque carecem de qualquer informação que seria de ajuda em um domínio, mas não em outro. Não tendo colas, pouco há que elas possam deduzir acerca de um domínio; não tendo hipóteses privilegiadas, pouco há que elas possam induzir antes que a sua operação seja tomada pela explosão combinatória. A diferença entre métodos específicos ao domínio e os independentes do domínio é semelhante à diferença entre peritos e principiantes: peritos conseguem resolver problemas mais rápido e de modo mais eficiente do que principiantes porque já sabem bastante do domínio do problema.
A visão que William James tinha da mente, que foi ignorada por muito do século XX, está sendo vindicada nos dias de hoje. Agora há evidências para a existência de circuitos que são especializados para o raciocínio sobre objetos, causalidade física, número, o mundo biológico, as crenças e motivações de outros indivíduos e interações sociais (para uma resenha, veja Hirschfeld & Gelman, 1994). Sabe-se agora que mecanismos de aprendizado que governam a aquisição da língua são diferentes daqueles que governam a aquisição de aversões alimentares e que ambos são diferentes dos mecanismos de aprendizado que governam a aquisição de fobias de serpentes (Garcia, 1990; Pinker, 1994; Mineka & Cooke, 1985). Exemplos abundam.
Pensa-se frequentemente em “instintos” como o oposto polar do “raciocínio” e do “aprendizado”. Pensa-se no Homo sapiens como o “animal racional”, uma espécie cujos instintos, tolhidos pela cultura, foram apagados pela evolução. Mas os circuitos de raciocínio e aprendizado discutidos acima têm as seguintes cinco propriedades: (1) são estruturados de modo complexo para resolver um tipo específico de problema adaptativo, (2) desenvolvem-se fiavelmente em todos os seres humanos normais, (3) desenvolvem-se sem qualquer esforço consciente e na ausência de qualquer instrução formal, (4) são aplicados sem qualquer consciência da sua lógica subjacente e (5) são distintos de capacidades mais gerais relativas a processar informação ou comportar-se de modo inteligente. Em outras palavras, eles têm todos os selos do que habitualmente pensamos como um “instinto” (Pinker, 1994). De fato, pode-se pensar nesses sistemas computacionais de propósito especial como instintos de raciocínio e instintos de aprendizado. Eles tornam certos tipos de inferências tão fáceis, sem esforço e “naturais” para nós enquanto humanos como é tecer uma teia para uma aranha ou é a navegação estimada para uma formiga do deserto.
Os alunos perguntam com frequência se um comportamento foi causado pelo “instinto” ou pelo “aprendizado”. Uma pergunta melhor seria “quais instintos causaram o aprendizado?”
Princípio 5. Nossos crânios modernos abrigam uma mente da idade da pedra
A seleção natural, o processo que projetou o nosso cérebro, precisa de muito tempo para projetar um circuito de qualquer complexidade. O tempo que leva para construir circuitos que sejam adequados para um dado ambiente é tão lento que é difícil até imaginar — é como uma pedra sendo esculpida pela areia soprada pelo vento. Até mudanças relativamente simples podem levar dezenas de milhares de anos.
O ambiente em que os humanos — e, portanto, as mentes humanas — evoluíram era muito diferente do nosso ambiente moderno. Nossos ancestrais passaram bem mais que 99% da história evolutiva da nossa espécie vivendo em sociedades de caçadores-coletores. Isso significa que os nossos ancestrais viveram em bandos pequenos e nômades de poucas dúzias de indivíduos que conseguiam toda a sua comida a cada dia colhendo plantas ou caçando animais. Cada um dos nossos ancestrais, efetivamente, estava numa viagem de acampamento que durava a vida inteira, e esse modo de viver perdurou durante a maior parte dos últimos 10 milhões de anos.
Geração após geração, por 10 milhões de anos, a seleção natural vagarosamente esculpiu o cérebro humano, favorecendo circuitos que eram bons em resolver os problemas cotidianos dos nossos ancestrais caçadores-coletores: problemas como encontrar parceiros sexuais, caçar animais, colher plantas comestíveis, negociar com amigos, defender-nos contra a agressão, criar os filhos, escolher um bom hábitat e assim por diante. Aqueles cujos circuitos eram mais bem projetados para resolver esses problemas deixaram mais filhos e nós descendemos deles.
A nossa espécie viveu como caçadores-coletores 1.000 vezes mais tempo do que como qualquer outra coisa. O mundo que parece tão familiar para mim e para você, um mundo com estradas, escolas, mercearias, fábricas, fazendas e estados-nações, tem durado há apenas um piscar de olhos de tempo quando comparado à nossa história evolutiva inteira. A era do computador é só um pouquinho mais velha do que o típico estudante universitário e a revolução industrial tem uns meros 200 anos. A agricultura surgiu na Terra pela primeira vez só 10.000 anos atrás e não foi até cerca de 5.000 anos atrás que tanto quanto a metade da população humana vivia de agricultura em vez de caçar e colher. A seleção natural é um processo lento e simplesmente não houve bastantes gerações para ela projetar circuitos que sejam bem adaptados para a nossa vida pós-industrial.
Em outras palavras, nossos crânios modernos abrigam uma mente da idade da pedra. A chave para entender como a mente moderna funciona é dar-se conta de que os seus circuitos não foram projetados para resolver os problemas cotidianos de um americano moderno; foram projetados para resolver os problemas cotidianos dos nossos ancestrais caçadores-coletores. Essas prioridades da idade da pedra produziram um cérebro muito melhor em resolver alguns problemas do que outros. Por exemplo, para nós é mais fácil lidar com grupos de pessoas pequenos, do tamanho de um bando de caçadores-coletores, do que com multidões de milhares; para nós é mais fácil aprender a ter medo de cobras do que de tomadas elétricas, embora tomadas elétricas imponham uma ameaça maior do que cobras na maioria das comunidades americanas. Em muitos casos, os nossos cérebros são melhores em resolver uma variedade de problemas que os nossos ancestrais encararam nas savanas africanas do que em resolver as tarefas mais familiares que encaramos numa sala de aula de faculdade ou numa cidade moderna. Ao dizermos que nossos crânios abrigam uma mente da idade da pedra, nossa intenção não é implicar que as nossas mentes são insofisticadas. Muito pelo contrário, são computadores bastante sofisticados, cujos circuitos são projetados elegantemente para resolver os tipos de problemas que os nossos ancestrais encararam rotineiramente.
Um componente necessário (embora não suficiente) de qualquer explicação do comportamento — moderno ou não — é uma descrição do design da maquinaria computacional que o gera. O comportamento no presente é gerado por mecanismos de processamento de informação que existem porque resolveram problemas adaptativos no passado: nos ambientes ancestrais em que a linhagem humana evoluiu.
Por essa razão, a psicologia evolucionista é persistentemente orientada ao passado. Mecanismos psicológicos que existem porque resolveram problemas eficientemente no passado não gerarão necessariamente comportamento adaptativo no presente. De fato, PEs rejeitam a noção de que se “explica” um comportamento mostrando-se que ele promove aptidão em condições modernas (para artigos em ambos os lados dessa controvérsia, veja respostas na mesma edição periódica a Symons (1990) e Tooby & Cosmides (1990a)).
Embora se pense que a linhagem hominídea evoluiu nas savanas africanas, o ambiente de adaptação evolutiva, ou o AAE, não é um lugar ou um tempo. É o compósito estatístico de pressões seletivas que causaram o design de uma adaptação. Assim o AAE para uma adaptação pode ser diferente de uma para outra. Condições de iluminação terrestre, que formam (parte do) AAE do olho do vertebrado, permaneceram relativamente constantes por centenas de milhões de anos (até a invenção da lâmpada incandescente); em contraste, o AAE que selecionou mecanismos que fizeram com que os machos humanos provessem para a sua prole — uma situação que se afasta do padrão de mamífero típico — parece ter apenas dois milhões de anos.
Os Cinco Princípios são ferramentas para pensar acerca da psicologia, que podem ser aplicados a qualquer tópico: sexo e sexualidade, como e por que as pessoas cooperam, se as pessoas são racionais, como os bebês veem o mundo, conformidade, agressão, audição, visão, sono, alimentação, hipnose, esquizofrenia e assim por diante. A moldura que eles oferecem liga áreas de estudo e nos salva de nos afogar em particularidades. Sempre que você tentar entender algum aspecto do comportamento humano, eles o encorajam a fazer as seguintes perguntas fundamentais:
- Onde no cérebro estão os circuitos relevantes e como, fisicamente falando, eles funcionam?
- Que tipo de informação está sendo processada por esses circuitos?
- Que tipo de programas de processamento de informação esses circuitos incorporam? e
- O que esses circuitos foram projetados para realizar (num contexto de caçadores-coletores)?
Agora que dispensamos essa preparação preliminar, é hora de explicar a moldura teórica da qual derivam os Cinco Princípios, e outros fundamentos da psicologia evolucionista.
Entendendo o Design dos Organismos
A Lógica Adaptacionista e a Psicologia Evolucionista
Explicações filogenéticas versus adaptacionistas
A meta da teoria de Darwin era explicar o design fenotípico: por que os bicos dos tentilhões diferem de uma espécie para outra? Por que animais gastam energia, que poderia ser gasta na sobrevivência, atraindo parceiros? Por que expressões faciais de emoções humanas são similares às encontradas em outros primatas?
Dois dos mais importantes princípios evolutivos que dão conta das características dos animais são (1) descendência comum e (2) adaptação dirigida pela seleção natural. Se somos todos aparentados uns com os outros, e com todas as outras espécies, em virtude da descendência comum, então poderíamos esperar encontrar semelhanças entre humanos e seus parentes primatas mais próximos. Essa abordagem filogenética tem uma longa história na psicologia: ela promove a busca por continuidades filogenéticas implicadas pela herança de traços homólogos de ancestrais comuns.
Uma abordagem adaptacionista à psicologia leva à busca por designs adaptativos, que habitualmente implica o exame de capacidades mentais diferenciadas por nichos singulares à espécie sendo investigada. O livro de 1966 de George Williams, Adaptation and Natural Selection, esclareceu a lógica do adaptacionismo. Ao fazê-lo, essa obra assentou os alicerces da psicologia evolucionista moderna. A psicologia evolucionista pode ser pensada como a aplicação da lógica adaptacionista ao estudo da arquitetura da mente humana.
Por que estrutura reflete função?
Na biologia evolucionista, há vários níveis diferentes de explicação que são complementares e mutuamente compatíveis. A explicação em um nível (por exemplo, função adaptativa) não impede ou invalida explicações em outro (por exemplo, neural, cognitiva, social, cultural, econômica). PEs usam teorias de função adaptativa para guiar as suas investigações de estruturas fenotípicas. Por que isso é possível? O processo evolutivo possui dois componentes: acaso e seleção natural. A seleção natural é o único componente do processo evolutivo que pode introduzir organização funcional complexa no fenótipo de uma espécie (Dawkins, 1986; Williams, 1966).
A função do cérebro é gerar comportamento que dependa sensivelmente da informação do ambiente de um organismo. É, portanto, um instrumento de processamento de informação. Os neurocientistas estudam a estrutura física de tais instrumentos e os psicólogos cognitivos estudam os programas de processamento de informação implementados por essa estrutura. No entanto, há um outro nível de explicação: um nível funcional. Em sistemas evoluídos, forma segue função. A estrutura física está lá porque incorpora um conjunto de programas; os programas estão lá porque resolveram um problema particular no passado. Esse nível funcional de explicação é essencial para entender como a seleção natural projeta organismos.
A estrutura fenotípica de um organismo pode ser pensada como uma coleção de “traços de design”: micromáquinas, tais como os componentes funcionais do olho ou do fígado. Ao longo do tempo evolutivo, novos traços de design foram acrescentados ao design da espécie, ou descartados do mesmo, por causa das suas consequências. Um traço de design causará a sua própria propagação pelas gerações se tiver a consequência de resolver problemas adaptativos: problemas que recorrem de modo transgeracional cuja solução promove a reprodução, tais como detectar predadores ou desintoxicar venenos. Se uma retina sensível, que apareceu em um ou alguns indivíduos por mutação aleatória, permite que os predadores sejam detectados mais rapidamente, indivíduos que têm uma retina mais sensível produzirão prole numa taxa mais alta do que os que carecem dela. Promovendo a reprodução dos seus portadores, a retina mais sensível, assim, promove a sua própria propagação pelas gerações, até acabar substituindo a retina de modelo antigo e se tornar um traço universal do design dessa espécie.
Assim a seleção natural é um processo de feedback que “escolhe” entre designs alternativos com base em quão bem eles funcionam. É um processo de escalada de monte, em que um traço de design que resolve um problema adaptativo bem pode ser vencido na competição com um novo traço de design que o resolve melhor. Esse processo produziu máquinas engenhadas primorosamente — o olho do vertebrado, pigmentos fotossintéticos, algoritmos de forrageamento eficientes, sistemas de constância de cor — cujo desempenho é inigualado por qualquer máquina já projetada por humanos.
Selecionando designs com base em quão bem eles resolvem problemas adaptativos, esse processo engenha um encaixe preciso entre a função de um instrumento e a sua estrutura. Para entender essa relação causal, os biólogos tiveram que desenvolver um vocabulário teórico que distingue entre estrutura e função. Na biologia evolucionista, explicações que apelam à estrutura de um instrumento são às vezes chamadas de explicações “próximas”. Quando aplicadas à psicologia, estas incluiriam explicações que focam nas causas genéticas, bioquímicas, fisiológicas, relativas ao desenvolvimento, cognitivas, sociais e todas as outras que são imediatas ao comportamento. Explicações que apelam à função adaptativa de um instrumento são às vezes chamadas de explicações “distais” ou “finais”, porque se referem a causas que operaram ao longo do tempo evolutivo.
Conhecimento sobre função adaptativa é necessário para talhar a natureza nas juntas
O fenótipo de um organismo pode ser partido em adaptações, que estão presentes porque foram selecionadas; subprodutos, que estão presentes porque estão acoplados causalmente a traços que foram selecionados (por exemplo, a brancura do osso); e ruído, que foi injetado pelos componentes estocásticos da evolução. Como outras máquinas, somente aspectos de um organismo definidos de modo restrito se encaixam em sistemas funcionais: a maioria dos modos de descrever o sistema não irão capturar as suas propriedades funcionais. Infelizmente, alguns deturparam a afirmação bem fundamentada de que a seleção cria organização funcional como se fosse a afirmação obviamente falsa de que todo traço de organismos é funcional, algo que nenhum biólogo evolucionista com juízo jamais manteria. Ademais, nem todo comportamento de um organismo é adaptativo. Um gosto por doce pode ter sido adaptativo em ambientes ancestrais onde frutas ricas em vitaminas eram escassas, mas pode gerar comportamento mal-adaptativo num ambiente moderno repleto de restaurantes de fast-food. Além disso, uma vez que um mecanismo de processamento de informação existe, ele pode ser empregado em atividades que estão dissociadas da sua função original: porque evoluímos mecanismos de aprendizado que causam a aquisição da língua, podemos aprender a escrever. Mas esses mecanismos não foram selecionados porque causaram a escrita.
Evidência de design
Adaptações são máquinas de resolver problemas e podem ser identificadas usando-se os mesmos padrões de evidência que usaríamos para reconhecer uma máquina feita por humanos: evidência de design. Pode-se identificar uma máquina como uma TV ao invés de um fogão encontrando evidência de design funcional complexo: mostrando, por exemplo, que possui vários traços de design coordenados (antenas, tubos de raios catódicos, etc.) que são completamente especializados para transduzir ondas de TV e transformá-las num mapa de bits de cores (uma configuração que é improvável ter surgido pelo acaso por si só), ao passo que não possui traço de design nenhum que a tornasse boa em cozinhar. Design funcional complexo é o distintivo de máquinas adaptativas também. Pode-se identificar um aspecto do fenótipo de uma adaptação mostrando-se que (1) ela possui vários traços de design que são especializados complexamente para resolver um problema adaptativo, (2) essas propriedades fenotípicas é improvável terem surgido pelo acaso por si só e (3) elas não são explicadas melhor como o subproduto de mecanismos projetados para resolver algum problema adaptativo alternativo. Descobrir que um elemento arquitetural resolve um problema adaptativo com “fiabilidade, eficiência e economia” é evidência prima facie de que foi localizada uma adaptação (Williams, 1966).
Evidência de design é importante não só para explicar por que um mecanismo conhecido existe, mas também para descobrir novos mecanismos, mecanismos que ninguém tenha pensado em procurar. PEs usam teorias de função adaptativa de modo heurístico, para guiar as suas investigações de designs fenotípicos.
Aqueles que estudam espécies de uma perspectiva adaptacionista adotam a postura de um engenheiro. Ao discutir sobre sonares em morcegos, por exemplo, Dawkins procede assim: “(…) Começarei colocando um problema que a máquina viva encara, então considerarei possíveis soluções para o problema que um engenheiro sensato poderia considerar; acabarei chegando à solução que a natureza efetivamente adotou” (1986, pp. 21-22). Engenheiros descobrem que problemas eles querem resolver e então projetam máquinas que são capazes de resolver esses problemas de uma maneira eficiente. Biólogos evolucionistas descobrem que problemas adaptativos uma dada espécie encontrou durante a sua história evolutiva e então se perguntam: “Como seria uma máquina capaz de resolver esses problemas bem em condições ancestrais?” Contra esse pano de fundo, eles exploram empiricamente os traços de design das máquinas evoluídas que, tomados em conjunto, compõem um organismo. Definições de problemas adaptativos, claro, não especificam singularmente o design dos mecanismos que os resolveram. Porque frequentemente há múltiplas maneiras de chegar a qualquer solução, estudos empíricos são necessários para decidir “qual a natureza efetivamente adotou”. Mas quanto mais precisamente podemos definir um problema adaptativo de processamento de informação — a “meta” do processamento —, mais claramente podemos enxergar como seria um mecanismo capaz de produzir essa solução. Essa estratégia de pesquisa dominou o estudo da visão, por exemplo, de modo que é agora lugar-comum pensar no sistema visual como uma coleção de instrumentos computacionais integrados em termos de função, cada qual especializado para resolver um problema diferente na análise de cena: julgar profundidade, detectar movimento, analisar a forma pela sombra e assim por diante. Em nossa própria pesquisa, aplicamos essa estratégia ao estudo do raciocínio social (veja abaixo).
Para entender plenamente o conceito de evidência de design, precisamos considerar como um adaptacionista pensa na natureza e na nutrição.
NATUREZA E NUTRIÇÃO: UMA PERSPECTIVA ADAPTACIONISTA
Debates sobre a “contribuição relativa”, durante o desenvolvimento, da “natureza” e da “nutrição” têm estado entre os mais contenciosos na psicologia. As premissas que subjazem a esses debates são defeituosas; não obstante, elas estão entrincheiradas de modo tão profundo que muitas pessoas têm dificuldade em enxergar que há outros modos de pensar sobre essas questões.
A psicologia evolucionista não é simplesmente mais um balanço do pêndulo natureza/nutrição. Uma característica definidora do campo é a rejeição explícita das dicotomias usuais entre natureza e nutrição: instinto vs. raciocínio, inato vs. aprendido, biológico vs. cultural. Que efeito o ambiente terá sobre um organismo depende criticamente dos detalhes da sua arquitetura cognitiva evoluída. Por essa razão, teorias “ambientalistas” do comportamento humano que sejam coerentes fazem, todas elas, afirmações “nativistas” acerca da forma exata dos nossos mecanismos psicológicos evoluídos. Para um PE, as questões científicas genuínas concernem ao design, natureza e número desses mecanismos evoluídos, não a “biologia versus cultura” ou outras oposições mal formadas.
Há várias questões de “natureza-nutrição” diferentes, que são confundidas com frequência. Vamos desmembrá-las e olhar para elas separadamente, porque algumas delas são triviais enquanto outras são problemas genuínos.
Foco na arquitetura
Num certo nível de abstração, toda espécie tem uma arquitetura evoluída universal e típica à espécie. Por exemplo, podemos abrir qualquer página do livro-texto de medicina Gray´s Anatomy e encontrar o design dessa arquitetura evoluída descrito nos mínimos detalhes; não só temos todos um coração, dois pulmões, um estômago, intestinos e assim por diante, como o livro também descreverá a anatomia humana nas conexões nervosas particulares. Isso não quer dizer que não há individualidade bioquímica: não há dois estômagos exatamente iguais; eles variam um bocado em propriedades quantitativas, como tamanho, formato e quanto HCl produzem. Mas todos os humanos têm estômagos e todos eles têm o mesmo design funcional — cada qual está anexado numa ponta a um esôfago e na outra ao intestino delgado, cada qual secreta as mesmas químicas necessárias para a digestão e assim por diante. Presume-se que o mesmo seja verdade com relação ao cérebro e, assim, com relação à arquitetura evoluída dos nossos programas evoluídos — dos mecanismos de processamento de informação que geram comportamento. A psicologia evolucionista busca caracterizar a arquitetura universal e típica à espécie desses organismos.
A arquitetura cognitiva, como todo aspecto do fenótipo, dos molares aos circuitos de memória, é o produto conjunto dos genes e do ambiente. Mas o desenvolvimento da arquitetura é amortecido contra insultos tanto genéticos quanto ambientais, de modo que se desenvolva fiavelmente por toda a gama (ancestralmente) normal de ambientes humanos. PEs não presumem que os genes tenham um papel mais importante no desenvolvimento do que o ambiente, ou que “fatores inatos” sejam mais importantes do que o “aprendizado”. Ao invés disso, PEs rejeitam essas dicotomias como mal concebidas.
Psicologia evolucionista não é genética comportamental
Os geneticistas comportamentais estão interessados no grau em que diferenças entre as pessoas num dado ambiente podem ser explicadas pelas diferenças nos seus genes. PEs estão interessados em diferenças individuais somente na medida em que elas são a manifestação de uma arquitetura subjacente compartilhada por todo ser humano. Porque a sua base genética é universal e típica à espécie, a herdabilidade de adaptações complexas (do olho, por exemplo) habitualmente é baixa, não alta. Ademais, a recombinação sexual limita o design dos sistemas genéticos, de modo que a base genética de qualquer adaptação complexa (como um mecanismo cognitivo) tem de ser universal e típica à espécie (Tooby e Cosmides, 1990b). Isso significa que a base genética da arquitetura cognitiva humana é universal, criando o que às vezes se chama de unidade psíquica da humanidade. O embaralhamento genético da meiose e da recombinação sexual pode fazer com que indivíduos difiram levemente em propriedades quantitativas que não perturbam o funcionamento de adaptações complexas. Mas dois indivíduos não diferem em personalidade ou morfologia porque um possui a base genética para uma adaptação complexa de que o outro carece. O mesmo princípio se aplica a populações humanas: dessa perspectiva, “raça” não existe.
De fato, a psicologia evolucionista e a genética comportamental são animadas por duas questões radicalmente diferentes:
- Qual é a arquitetura universal evoluída que todos nós compartilhamos em virtude de sermos humanos? (Psicologia evolucionista)
- Dada uma grande população de pessoas num ambiente específico, em que medida podem as diferenças entre essas pessoas ser explicadas pelas diferenças nos seus genes? (Genética comportamental)
A segunda questão habitualmente é respondida computando-se o coeficiente de herdabilidade, com base (por exemplo) em estudos de gêmeos idênticos e fraternos. “Qual contribui mais para a miopia, genes ou ambiente?” (um exemplo da segunda questão) não tem resposta fixa: a “herdabilidade” de um traço pode variar de um lugar para o outro, precisamente porque ambientes afetam, sim, o desenvolvimento.
Um coeficiente de herdabilidade mensura fontes de variação numa população (por exemplo, numa floresta de carvalhos, em que medida as diferenças em altura se correlacionam com as diferenças em luz solar, tudo o mais sendo igual?). Ele nada lhe diz acerca do que causou o desenvolvimento de um indivíduo. Digamos que para a altura, 80% da variação numa floresta de carvalhos é causada pela variação em seus genes. Isso não significa que a altura do carvalho no seu quintal é “80% genética”. (O que isso poderia significar? Os genes contribuíram mais para a altura do seu carvalho do que a luz solar? Que porcentagem da sua altura foi causada pelo nitrogênio no solo? Pela chuva? Pela pressão parcial do CO2?) Quando aplicada a um indivíduo, tais percentuais são vazios de sentido, porque todos entre esses fatores são necessários para uma árvore crescer. Remova qualquer um, e a altura será zero.
Produto conjunto dos genes e do ambiente
Confundir indivíduos com populações levou muita gente a definir “a” questão natureza-nutrição do seguinte modo: o que é mais importante na determinação do fenótipo de um organismo (individual), seus genes ou seu ambiente?
Qualquer biólogo do desenvolvimento sabe que essa é uma questão sem sentido. Todo aspecto do fenótipo de um organismo é o produto conjunto dos seus genes e do seu ambiente. Perguntar qual é mais importante é como perguntar: qual é mais importante na determinação da área de um retângulo, o comprimento ou a largura? Qual é mais importante para fazer um carro correr, o motor ou a gasolina? Genes permitem que o ambiente influencie o desenvolvimento de fenótipos.
De fato, os mecanismos de desenvolvimento de muitos organismos foram projetados pela seleção natural para produzir diferentes fenótipos em diferentes ambientes. Certos peixes podem mudar de sexo, por exemplo. Bodiões de cabeça azul vivem em grupos sociais consistindo num macho e muitas fêmeas. Se o macho morre, a maior fêmea se torna um macho. Os bodiões são projetados para mudar de sexo em resposta a um indício social: a presença ou a ausência de um macho.
Com um mapa causal dos mecanismos de desenvolvimento de uma espécie, você pode modificar o fenótipo que se desenvolve modificando o seu ambiente. Imagine plantar uma semente de uma planta arrowleaf na água e uma geneticamente idêntica na terra seca. Aquela na água desenvolveria folhas largas e aquela na terra desenvolveria folhas estreitas. Responder a essa dimensão de variação ambiental é parte do design evoluído da espécie. Mas isso não quer dizer que qualquer aspecto do ambiente pode afetar a largura da folha de uma planta arrowleaf. Ler poesia para ela não afeta a largura das suas folhas. Da mesma forma, não quer dizer que é fácil conseguir que as folhas cresçam para ter qualquer formato: exceto com um par de tesouras, provavelmente é muito difícil conseguir que as folhas cresçam para ter o formato da Starship Enterprise.
As pessoas tendem a mistificar os genes; a tratá-los como “essências” que inevitavelmente fazem surgir comportamentos, independentemente do ambiente em que são expressos. Mas genes são simplesmente elementos reguladores, moléculas que arranjam o seu ambiente circundante num organismo. Nada há de mágico sobre o processo: o DNA é transcrito em RNA; dentro das células, nos ribossomos, o RNA é traduzido em proteínas — as enzimas — que regulam o desenvolvimento. Não há nenhum aspecto do fenótipo que não possa ser influenciado por alguma manipulação ambiental. Só depende de quão engenhoso ou invasivo você quer ser. Se você deixar cair um zigoto humano (um óvulo fertilizado) em nitrogênio líquido, ele não se desenvolverá para se tornar um bebê. Se você atirasse elétrons nos ribossomos do zigoto do jeitinho certo, você poderia influenciar o modo como o RNA é traduzido em proteínas. Continuando a fazer isso você poderia, em princípio, fazer com que um zigoto humano se desenvolvesse para se tornar uma melancia ou uma baleia. Não há mágica nenhuma aqui; só causalidade.
Presente no nascimento?
Às vezes as pessoas pensam que, para mostrar que um aspecto do fenótipo é parte da nossa arquitetura evoluída, deve-se mostrar que está presente desde o nascimento. Mas isso é confundir o “estado inicial” de um organismo com a sua arquitetura evoluída. Os bebês não têm dentes ao nascer; eles os desenvolvem bem depois de nascer. Mas isso quer dizer que eles “aprendem” a ter dentes? Que dizer de seios? Barbas? Espera-se que organismos tenham mecanismos que são adaptados ao seu estágio de vida particular (considere a ascídia!); afinal, os problemas adaptativos que um bebê encara são diferentes dos que um adolescente encara.
Essa má concepção leva frequentemente a argumentos desorientados. Por exemplo, as pessoas pensam que, se conseguem mostrar que há informação na cultura que espelha o modo como as pessoas se comportam, então essa é a causa do seu comportamento. Daí se elas veem que homens na TV têm problema em chorar, presumem que o seu exemplo está fazendo com que meninos tenham medo de chorar. Mas qual é a causa e qual é o efeito? O fato de que homens não choram muito na TV ensina meninos a não chorar ou será que meramente reflete o modo como meninos se desenvolvem normalmente? Na ausência de pesquisas sobre o tópico particular, não há jeito de saber. (Para enxergar isso, pense só em como seria fácil defender que meninas aprendem a ter seios. Considere a pressão de suas semelhantes durante a adolescência para ter seios!, os exemplos na TV de modelos glamorosas! Toda a cultura reforça a ideia de que as mulheres devem ter seios, portanto… meninas adolescentes aprendem a crescer seios.)
De fato, um aspecto da nossa arquitetura evoluída pode, em princípio, amadurecer em qualquer ponto do ciclo de vida, e isso se aplica a programas cognitivos do nosso cérebro assim como se aplica a outros aspectos do nosso fenótipo.
Especificidade de domínio é algo politicamente incorreto?
Às vezes, as pessoas favorecem a noção de que tudo é “aprendido” — com o qual querem dizer “aprendido por meio de circuitos de propósito geral” — porque acham que isso apoia ideais democráticos e igualitários. Elas acham que isso significa que qualquer pessoa pode ser qualquer coisa. Mas a noção de que qualquer pessoa pode ser qualquer coisa recebe o mesmo apoio, sejam os nossos circuitos especializados, sejam eles gerais. Quando estamos falando da arquitetura evoluída de uma espécie, estamos falando de algo que é universal e típico à espécie: algo que todos nós temos. É por isso que a questão da especialização nada tem a ver com “ideais democráticos e igualitários”; todos nós temos a mesma dotação biológica básica, na forma de mecanismos seja de propósito geral, seja de propósito especial. Se todos nós temos um “instrumento de aquisição da língua” de propósito especial, por exemplo (veja Pinker, este volume), estamos todos em “pé de igualdade” em se tratando de aprender uma língua, assim como estaríamos se aprendêssemos a língua por meio de circuitos de propósito geral.
“Inato” não é o contrário de “aprendido”
Para PEs, a questão nunca é “aprendizado” versus “inatidade” ou “aprendizado” versus “instinto”. O cérebro deve ter um certo tipo de estrutura para você aprender absolutamente qualquer coisa; afinal, tigelas com um quilo e meio de mingau de aveia não aprendem, mas cérebros de um quilo e meio aprendem. Se você pensar como um engenheiro, isso será claro. Para aprender, deve haver algum mecanismo que faça isso ocorrer. Como o aprendizado não pode ocorrer na ausência de um mecanismo que o cause, o mecanismo que o causa deve, ele próprio, ser não aprendido: deve ser “inato”. Certos mecanismos de aprendizado devem portanto ser aspectos da nossa arquitetura evoluída que se desenvolve fiavelmente perpassando todos os tipos de variações ambientais que os humanos encontraram normalmente durante a sua história evolutiva. Devemos, num sentido, ter o que você pode pensar como “mecanismos de aprendizado inatos” ou “instintos de aprendizagem”. A questão interessante é: quais são esses programas não aprendidos? São eles especializados para aprender um tipo particular de coisa, ou são projetados para resolver problemas mais gerais? Isso nos leva de volta ao Princípio 4.
Especializado ou de propósito geral?
Uma das poucas questões genuínas de natureza-nutrição concernem ao grau em que um mecanismo é especializado para produzir um dado resultado. A maioria das dicotomias natureza-nutrição desaparecem quando se entende mais de biologia do desenvolvimento, mas essa não. Para PEs, a questão importante é: qual é a natureza dos nossos programas cognitivos evoluídos universais e típicos à espécie? Que tipo de circuitos de fato possuímos?
O debate sobre a aquisição da língua dá um foco nítido nesta questão: programas cognitivos de propósito geral fazem as crianças aprender a língua, ou será que o aprendizado da língua é causado por programas que são especializados para realizar essa tarefa? Isso não pode ser respondido a priori. É uma questão empírica, e os dados coletados até agora sugerem a última opção (Pinker, 1994, este volume).
Para qualquer comportamento que você observe, há três possibilidades.
- É o produto de programas de propósito geral (se tais existirem);
- É o produto de programas que são especializados para produzir este comportamento; ou
- É um subproduto de programas cognitivos especializados que evoluíram para resolver um problema diferente. (A escrita, que é uma invenção cultural recente, é um exemplo disso.)
Mais natureza permite mais nutrição
Não há uma relação de soma zero entre “natureza” e “nutrição”. Para PEs, “aprendizado” não é uma explicação, é um fenômeno que requer explicação. O aprendizado é causado por mecanismos cognitivos e, para entender como ele ocorre, é necessário conhecer a estrutura computacional dos mecanismos que o causam. Quanto mais rica a arquitetura do mecanismo, mais o organismo será capaz de aprender — crianças pequenas podem aprender português ao passo que elefantes e cães de família (com seus cérebros grandes) não podem, porque a arquitetura cognitiva dos humanos contém mecanismos que não estão presentes na dos elefantes e dos cães. Ademais, “aprendizado” é um fenômeno unitário: os mecanismos que causam a aquisição da gramática, por exemplo, são diferentes dos que causam a aquisição de fobias de serpentes. (O mesmo se aplica a “raciocínio”.)
O que a psicologia evolucionista não é
Por todas as razões acima discutidas, PEs esperam que se descobrirá que a mente humana contém um grande número de instrumentos de processamento de informação que são específicos quanto a domínio e especializados quanto a função. A especificidade de domínio proposta de muitos desses instrumentos separa a psicologia evolucionista daquelas abordagens à psicologia que presumem que a mente seja composta por um número pequeno de mecanismos de domínio geral, independentes de conteúdo e de “propósito geral”: o Modelo Padrão das Ciências Sociais.
Também separa a psicologia evolucionista daquelas abordagens à evolução comportamental humana em que se presume (de hábito, implicitamente) que a “maximização da aptidão” seja um objetivo representado mentalmente (embora não conscientemente) e que a mente seja composta de mecanismos de domínio geral que podem “descobrir” o que conta como comportamento maximizador de aptidão em qualquer ambiente — até os evolutivamente novos (Cosmides e Tooby, 1987; Symons, 1987, 1992). A maioria dos PEs reconhece a flexibilidade e os multipropósitos do pensamento e da ação humana, mas creem que isso seja causado por uma arquitetura cognitiva que contém um grande número de “sistemas peritos” evoluídos.
Instintos de Raciocínio: um Exemplo
Em algumas das nossas próprias pesquisas, temos explorado a hipótese de que a arquitetura cognitiva humana contém circuitos especializados em raciocínio acerca de problemas adaptativos colocados pelo mundo social dos nossos ancestrais. Na categorização das interações sociais, há duas consequências básicas que os humanos podem ter uns sobre os outros: ajudar ou prejudicar, outorgar benefícios ou infligir custos. Parte do comportamento social é incondicional: cuida-se de um bebê sem lhe pedir um favor em troca, por exemplo. Mas na maioria, atos sociais são gerados condicionalmente. Isso cria uma pressão seletiva em prol de designs cognitivos que possam detectar e entender condicionais sociais de um modo fiável, preciso e econômico (Cosmides, 1985, 1989; Cosmides & Tooby, 1989, 1992). Duas grandes categorias de condicionais sociais são o intercâmbio social e a ameaça — ajuda condicional e dano condicional — executados por indivíduos ou grupos sobre indivíduos ou grupos. Focamos inicialmente no intercâmbio social (para uma revisão, veja Cosmides & Tooby, 1992).
Selecionamos esse tópico por várias razões;
- Muitos aspectos da teoria evolucionista do intercâmbio social (às vezes chamada de cooperação, altruísmo recíproco ou reciprocação) estão relativamente bem desenvolvidos e são inequívocos. Em consequência, pode-se contar seguramente com certas características da lógica funcional do intercâmbio social ao se construírem hipóteses acerca da estrutura dos procedimentos de processamento de informação que essa atividade requer.
- Adaptações complexas são construídas em resposta a problemas evolutivos de longa data. Situações envolvendo o intercâmbio social constituíram uma pressão seletiva de longa data sobre a linhagem hominídea: evidências da primatologia e da paleontologia sugerem que nossos ancestrais praticaram o intercâmbio social por pelo menos vários milhões de anos.
- O intercâmbio social parece ser uma parte antiga, generalizada e central da vida social humana. A universalidade de um fenótipo comportamental não é uma condição suficiente para se afirmar que foi produzido por uma adaptação cognitiva, mas sugestiva é. Como fenótipo comportamental, o intercâmbio social é tão ubíquo quanto o batimento cardíaco humano. O batimento cardíaco é universal porque o órgão que o gera é em todo lugar o mesmo. Essa é uma explicação parcimoniosa para a universalidade do intercâmbio social também: o fenótipo cognitivo do órgão que o gera é em todo lugar o mesmo. Como o coração, o seu desenvolvimento não parece exigir condições ambientais (sociais ou de outro tipo) que sejam idiossincráticas ou culturalmente contingentes.
- Teorias relativas ao raciocínio e à racionalidade tiveram um papel central tanto na ciência cognitiva como nas ciências sociais. Pesquisas nessa área podem, como resultado, servir como um teste poderoso para o pressuposto central do Modelo Padrão das Ciências Sociais: que a arquitetura da mente consiste só ou predominantemente num pequeno número de mecanismos independentes de conteúdo e de propósito geral.
A análise evolutiva do intercâmbio social se compara ao conceito de comércio do economista. Por vezes conhecido como “altruísmo recíproco”, o intercâmbio social é um princípio “toma-lá-dá-cá”. Economistas e biólogos evolucionistas já haviam explorado restrições sobre o surgimento ou a evolução do intercâmbio social usando a teoria dos jogos, produzindo modelos dele como um Dilema do Prisioneiro repetido. Uma conclusão importante foi a de que o intercâmbio social não pode evoluir numa espécie ou se sustentar de modo estável num grupo social a não ser que o maquinário cognitivo dos participantes permita a um cooperador potencial detectar indivíduos que trapaceiam, de modo que eles possam ser excluídos de interações futuras em que explorariam cooperadores (p. ex., Axelrod, 1984; Axelrod & Hamilton, 1981; Boyd, 1988; Trivers, 1971; Williams, 1966). Nesse contexto, um trapaceiro é um indivíduo que aceita um benefício sem satisfazer as exigências das quais dependem a provisão desse benefício.
Tais análises ofereceram uma base consistente para a geração de hipóteses detalhadas acerca de procedimentos de raciocínio que, por causa da sua estrutura especializada ao domínio, seriam bem projetados para detectar condicionais sociais, interpretar o seu significado e resolver com sucesso os problemas de inferência que eles colocam. No caso do intercâmbio social, por exemplo, elas nos levaram a hipotetizar que a arquitetura evoluída da mente humana incluiria procedimentos que são especializados para detectar trapaceiros.
Para testar esta hipótese, usamos um paradigma experimental chamado de tarefa de seleção de Wason (Wason, 1966; Wason & Johnson-Laird, 1972). Por cerca de 20 anos, os psicólogos têm usado esse paradigma (que foi desenvolvido originalmente como um teste de raciocínio lógico) para sondar a estrutura dos mecanismos de raciocínio humanos. Nessa tarefa, o sujeito é solicitado a procurar violações de uma regra condicional da forma se P então Q. Considere a tarefa de seleção de Wason apresentada na Figura 3.
Figura 3.
Parte do seu novo trabalho para a Cidade de Cambridge é estudar a demografia dos meios de transporte. Você leu um relatório feito anteriormente sobre os hábitos dos habitantes de Cambridge que diz: “Se uma pessoa entra em Boston, então essa pessoa pega o metrô.”
As cartas abaixo têm informação sobre quatro habitantes de Cambridge. Cada carta representa uma pessoa. Um lado de uma carta diz aonde uma pessoa foi, e o outro lado da carta diz como essa pessoa chegou lá. Indique apenas a(s) carta(s) que você definitivamente precisa virar para ver se alguma dessas pessoas viola essa regra.
Boston | Arlington | metrô | táxi |
De um ponto de vista lógico, a regra foi violada sempre que alguém vai a Boston sem pegar o metrô. Assim, a resposta logicamente correta é virar a carta Boston (para ver se essa pessoa pegou o metrô) e a carta táxi (para ver se a pessoa pegando o táxi foi a Boston). De modo mais geral, para uma regra da forma se P então Q, devem-se virar as cartas que representam os valores P e não Q (para ver por quê, consulte a Figura 2).
Se a mente humana desenvolve procedimentos de raciocínio especializados para detectar violações lógicas de regras condicionais, isso seria intuitivamente óbvio. Mas não é. Em geral, menos de 25% dos sujeitos dão espontaneamente essa resposta. Ademais, até o treinamento formal em raciocínio lógico pouco faz para melhorar o desempenho em regras descritivas desse tipo (p. ex., Cheng, Holyoak, Nisbett & Oliver, 1986; Wason & Johnson-Laird, 1972). De fato, existe uma ampla literatura que mostra que as pessoas não são muito boas em detectar violações lógicas de regras do tipo se-então em tarefas de seleção Wason, mesmo quando essas regras lidam com conteúdo familiar tirado da vida cotidiana (p. ex., Manktelow & Evans, 1979; Wason, 1983).
A tarefa de seleção Wason ofereceu uma ferramenta ideal para testar hipóteses sobre especializações de raciocínio projetadas para operar em condicionais sociais, tais como intercâmbios sociais, ameaças, permissões, obrigações e assim por diante, porque (1) ela testa o raciocínio acerca de regras condicionais, (2) a estrutura da tarefa permanece constante enquanto o conteúdo da regra é modificado, (3) efeitos de conteúdo são elicitados facilmente e (4) já havia um corpo de resultados experimentais existentes com os quais o desempenho em novos domínios de conteúdo poderia ser comparado.
Por exemplo, mostrar que pessoas que normalmente não conseguem detectar violações de regras condicionais conseguem fazê-lo quando a violação representa trapaça num contrato social constituiria apoio inicial para a visão de que as pessoas possuem adaptações cognitivas especializadas para detectar trapaceiros em situações de intercâmbio social. Descobrir que violadores de regras condicionais são detectados espontaneamente quando representam blefes numa ameaça, por razões semelhantes, apoiaria a visão de que as pessoas possuem procedimentos de raciocínio especializados para analisar ameaças. Nosso plano de pesquisa geral foi usar a incapacidade de sujeitos de detectar espontaneamente violações de condicionais expressando uma ampla variedade de conteúdos como uma linha de base comparativa para com base na qual detectar a presença de especializações de raciocínio impulsionadoras de desempenho. Vendo quais manipulações de conteúdo ligam e desligam o alto desempenho, os limites dos domínios em que especializações de raciocínio operam com sucesso podem ser mapeados.
Os resultados dessas investigações foram impressionantes. Pessoas que normalmente não conseguem detectar violações de regras do tipo se-então conseguem fazê-lo de modo fácil e preciso quando a violação representa trapaça numa situação de intercâmbio social (Cosmides, 1985, 1989; Cosmides & Tooby, 1989; 1992). Essa é uma situação em que se tem direito a um benefício somente se um requerimento foi satisfeito (p. ex., “se você vai comer esses biscoitos, então você deve primeiro arrumar a cama”; “se um homem come uma raiz de mandioca, então ele deve ter uma tatuagem no peito”; ou, de modo mais geral, “se você toma benefício B, então você deve satisfazer requerimento R”). Trapaça é aceitar o benefício especificado sem satisfazer a condição da qual a provisão desse benefício dependeu (p. ex., comer biscoitos sem ter primeiro arrumado a cama).
Quando solicitados a procurar violações de contratos sociais desse tipo, a resposta adaptativamente correta é imediatamente óbvia a quase todos os sujeitos, que vivenciam comumente um efeito de “salto”. Nenhum treinamento formal é necessário. Sempre que o conteúdo de um problema pede aos sujeitos para procurar trapaceiros num intercâmbio social — até quando a situação descrita é culturalmente não familiar e até bizarra —, os sujeitos vivenciam o problema como simples de resolver, e o seu desempenho dispara dramaticamente. Em geral, 65-80% dos sujeitos acertam, o mais alto desempenho já encontrado para uma tarefa desse tipo. Eles escolhem o cartão “benefício aceito” (p. ex., “comeu a raiz de mandioca”) e o cartão “custo não pago” (p. ex., “nenhuma tatuagem”), para qualquer condicional social que possa ser interpretado como um contrato social, e em que procurar violações possa ser interpretado como procurar trapaceiros.
De uma visão formal e de domínio geral, investigar homens comendo raiz de mandioca e homens sem tatuagens é logicamente equivalente a investigar pessoas indo para Boston e pessoas pegando táxis. Mas em todo lugar em que foi testado (adultos nos EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália, França, Hong Kong; crianças em idade escolar no Equador, caçadores-horticultores shiwiar da Amazônia Equatoriana), as pessoas não tratam problemas de intercâmbio social como equivalentes a outros tipos de problemas de raciocínio. As suas mentes distinguem conteúdos de intercâmbio social, e raciocinam como se estivessem traduzindo essas situações para primitivos representacionais tais como “benefício”, “custo”, “obrigação”, “direito”, “intencional” e “agente”. De fato, os procedimentos de inferência relevantes não são ativados a não ser que o sujeito tenha representado a situação como uma em que alguém tenha direito a um benefício somente se tiver satisfeito um requerimento.
Ademais, os procedimentos ativados pelas regras do contrato social não se comportam como se fossem projetados para detectar violações lógicas propriamente ditas; ao invés disso, eles provocam escolhas que rastreiam o que seria útil para detectar trapaceiros, independentemente de isso, por acaso, corresponder às seleções logicamente corretas. Por exemplo, trocando a ordem do requerimento e do benefício dentro da estrutura do tipo se-então da regra, podem-se elicitar respostas que são funcionalmente corretas do ponto de vista da detecção de trapaceiros, porém incorretas do ponto de vista da lógica (veja a Figura 4). Os sujeitos escolhem o cartão do benefício aceito e o cartão do custo não pago — a resposta adaptativamente correta se estão procurando trapaceiros — não importa a que categoria lógica essas cartas correspondam.
AMBAS AS FRASES EXPRESSAM O MESMO ACORDO DE INTERCÂMBIO
Formato-padrão (o benefício para um trapaceiro potencial está na oração “se”, correspondente a P)
- “Se você me der seu relógio, então lhe darei $100.”
- Se eu aceitar este benefício vindo de você, então estarei obrigado a satisfazer o seu requerimento (dar-lhe $100).
- Se P então Q
Formato trocado (o benefício para o trapaceiro potencial está na oração “então”, correspondente a Q)
- “Se eu lhe der $100, então dê-me o seu relógio.”
- Se eu satisfaço o seu requerimento, então tenho direito ao benefício (seu relógio).
- Se P então Q
Você me deu seu relógio | Você não me deu seu relógio | Eu lhe dei $100 | Eu não lhe dei $100 |
Eu trapaceei com você se: | Você me deu seu relógio | Mas eu não lhe dei $100 | Logicamente correto? |
Formato-padrão | P | não Q | Sim |
Formato trocado | Q | não P | Não |
Na língua do pensamento: | Eu aceitei o benefício vindo de você | Eu não satisfiz o seu requerimento |
Para mostrar que um aspecto do fenótipo é uma adaptação, é necessário demonstrar uma adequação entre forma e função: é preciso evidência de design. Há agora vários experimentos comparando desempenhos em tarefas de seleção Wason em que a regra condicional ou expressava, ou não expressava um contrato social. Esses experimentos forneceram evidências para uma série de efeitos específicos ao domínio previstos pela nossa análise dos problemas adaptativos que surgem no intercâmbio social. Contratos sociais ativam regras de inferência dependentes de conteúdo que parecem ser especializadas de modo complexo para resolver um problema particular dentro desse domínio: a detecção de trapaceiros. Os programas envolvidos não operam de modo a detectar altruístas potenciais (indivíduos que pagam custos, mas não tomam benefícios), tampouco são ativados em situações de contrato social em que erros corresponderiam a enganos inocentes em vez de trapaças intencionais. Tampouco são eles projetados para resolver problemas tirados de domínios que não o do intercâmbio social; por exemplo, não permitirão que se detectem blefes e enganações em situações de ameaça, tampouco permitirão detectar quando uma regra de segurança foi violada. O padrão de resultados elicitado pelo conteúdo de intercâmbio social é tão distintivo que cremos que o raciocínio nesse domínio seja governado por unidades computacionais que são específicas ao domínio e distintas em termos de função: o que chamamos de algoritmos de contrato social (Cosmides, 1985, 1989; Cosmides & Tooby, 1992).
Há, em outras palavras, evidência de design. Os programas que causam raciocínio nesse domínio possuem muitas características coordenadas que são especializadas de modo complexo precisamente dos modos que seriam esperados se fossem projetados por um engenheiro de computadores para fazer inferências acerca de intercâmbio social de modo fiável e eficiente: configurações que é improvável terem surgido por simples acaso. (Para uma revisão, veja Cosmides & Tooby, 1992; também Cosmides, 1985, 1989; Cosmides & Tooby, 1989; Fiddick, Cosmides, & Tooby, 1995; Gigerenzer & Hug, 1992; Maljkovic, 1987; Platt & Griggs, 1993.)
Pode parecer estranho estudar o raciocínio acerca de um tópico tão carregado emocionalmente como a trapaça; afinal, muitas pessoas (a começar por Platão) falam de emoções como se fossem uma gosma que obstrui as engrenagens do raciocínio. No entanto, PEs abordam tais tópicos porque a maioria deles não vê divisão alguma entre “emoção” e “cognição”. Há provavelmente muitos modos de conceitualizar emoções de um ponto de vista adaptacionista, dos quais muitos levariam a hipóteses concorrentes interessantes. Uma que achamos útil é a seguinte: uma emoção é um modo de operação do sistema cognitivo inteiro, causado por programas que estruturam interações entre diferentes mecanismos de modo que funcionem de um modo particularmente harmonioso ao confrontar situações que recorrem de modo transgeracional — especialmente aquelas em que erros adaptativos são tão custosos que você precisa responder apropriadamente na primeira vez que as encontra (veja Tooby & Cosmides, 1990a).
O seu foco em problemas adaptativos que surgiram no nosso passado evolutivo levou PEs a aplicar os conceitos e métodos das ciências cognitivas a muitos tópicos não tradicionais: os processos cognitivos que governam a cooperação, a atração sexual, o ciúme, o amor parental, as aversões alimentares e a temporização do enjoo de gravidez, as preferências estéticas que governam a nossa apreciação do ambiente natural, a agressão coalicional, a evitação do incesto, o nojo, o forrageamento e assim por diante (para uma revisão, veja Barkow, Cosmides, & Tooby, 1992). Iluminando os programas que dão à luz nossas competências naturais, essa pesquisa vai diretamente no coração da natureza humana.
Agradecimentos:
Gostaríamos de agradecer a Martin Daly, Irv DeVore, Steve Pinker, Roger Shepard, Don Symons e Margo Wilson por muitas discussões frutíferas sobre essas questões, e a William Allman por sugerir a frase: “Nossos crânios modernos abrigam uma mente da idade da pedra”, que é um resumo bastante apto da nossa posição. Somos gratos à James S. McDonnell Foundation e ao financiamento do NSF Grant BNS9157-499 a John Tooby, pelo seu apoio financeiro durante a preparação deste capítulo.
Leituras a mais:
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Traduzido do original: Cosmides, L.; Tooby, J. Evolutionary Psychology: A Primer, Center for Evolutionary Psychology, UC Santa Barbara, 1997.