Suponha por um momento que o mundo esteja enlouquecendo. Como você saberia? Você olharia em volta; veria o quê? A televisão está dominada por lunáticos desvairados. O público em geral está perdendo a capacidade de distinguir entre ficção e realidade. Os políticos continuam a repetir as mesmas mentiras, insensíveis a qualquer tentativa de correção. Os bancos saem às pressas para fazer empréstimos para pessoas que não têm nenhuma chance real de pagar um dia. Os fregueses abarrotam os shoppings e os consumidores compram casas e carros cada vez maiores, ignorando a catástrofe ambiental que espreita no horizonte. E não obstante, como é que você sabe que não é só você? Os asilos estão cheios de pessoas que pensam que todos os outros são loucos. Elas se perguntam como pode ser que os outros perdem de vista as óbvias evidências da conspiração do governo, ou da abdução alienígena, ou dos sinais de divindade na sua pessoa. Pessoas em seitas sentem-se muito da mesma forma.
É por isso que a Manifestação para a Restauração da Sanidade organizada por Jon Stewart foi uma jogada ousada. Dizer que nossos oponentes políticos são irracionais é uma acusação difícil de fazer colar, visto que levanta diversos problemas filosóficos especiais. Acusar nossos oponentes de torturar filhotinhos é algo inequívoco: ou bem eles fizeram isso, ou então não fizeram; há um fato objetivo que pode ser descortinado. Alguém pode produzir um vídeo, talvez. Acusá-los de irracionalidade é muito mais complicado. Não há um fato óbvio que possa resolver a questão; parece não passar de uma questão de perspectiva. Um dos resultados mais bem estabelecidos na literatura dos vieses cognitivos é que as pessoas são terríveis em distinguir entre irracionalidade genuína e simples desacordos.
Como vimos, nossa avareza cognitiva frequentemente se manifesta na forma do viés da crença. Quando nos pedem para avaliar um argumento, a fim de determinarmos se é logicamente válido, passamos os olhos sobre ele rapidamente, daí simplesmente olhamos para a conclusão e nos perguntamos se a achamos verdadeira. Como resultado, argumentos logicamente inválidos que levam a conclusões que calham de ser verdadeiras (“Rosas são coisas vivas”) frequentemente serão julgados válidos, enquanto argumentos válidos que levam a conclusões que calham de ser falsas serão julgados inválidos. Temos uma dificuldade enorme em separar a questão sobre se um raciocínio está correto da questão sobre se concordamos com a resposta que ele produz. Trabalhar isso adequadamente envolve uma considerável proeza de abstração. E porque a abstração é cognitivamente exigente, nossa estratégia paradigmática é atribuir raciocínios falhos a todos que discordam de nós.
Assim, para todo progressista que pensa que conservadores são loucos, há um conservador que pensa que progressistas são loucos. Para todo senhor ou senhora que pensa que os jovens de hoje são loucos, há um monte de jovens que pensam que os idosos são loucos. Para todo homem que pensa que as mulheres são loucas, há uma mulher que pensa que os homens são loucos. Ficamos tentados a concluir de tudo isso que a questão sobre quem é racional e quem é irracional não pode ser resolvida ou que ela é puramente subjetiva. Louco, como sugeriu muita gente nos anos 60, pode ser apenas outro modo de dizer “diferente”.
E no entanto… há loucos e loucos. Parece, sim, ter havido um aumento notável de birutagem nos anos recentes — particularmente nos Estados unidos (levando Susan Jacoby a declarar esta a “era da desrazão americana”)1. Dando só um exemplo, o número de americanos que professam crer em mudanças climáticas antropogênicas diminuiu durante o curso de uma década2. Rick Perry, o governador do Texas e um membro da maioria dos americanos que não acreditam na ciência do clima, respondeu às temperaturas abrasadoras do verão de 2011 declarando três oficiais “Dias de Orações pela Chuva”. Enquanto isso, os poços de petróleo continuavam a bombear. Isso não foi visto como um grande impedimento a Perry concorrer para ser o candidato do Partido Republicano à presidência. Afinal, 83 por cento dos americanos crêem que Deus literalmente escuta e responde a orações3. O governo mandá-los se mobilizar num ato de oração em massa não parece passar dos limites, talvez.
E não obstante, como isso pode ser considerado algo além de um fracasso catastrófico do projeto iluminista? Que as pessoas ainda sejam capazes de pensar e agir assim — suplicando impotentemente aos deuses para resolverem problemas que elas próprias criaram — não só é uma vergonha para os americanos; é de fazer a nossa espécie como um todo perder a altivez.
Não admira que tantos americanos tenham começado a pensar que ideologia política não está mais na raiz dos seus problemas. A questão não é que um segmento da população não se importa com os pobres, ou tem atitudes retrógradas com relação às mulheres, ou se tornou hostil à igualdade; o problema é que um segmento significativo da população está fora de contato com a realidade e não está mais operando dentro das fronteiras convencionais da argumentação e do pensamento racional. Não surpreende que comentadores tenham criado o hábito de distinguir a “comunidade fundamentada na realidade” dos outros constituintes políticos que se espalham na paisagem política americana.
Mas a fim de fazer essas acusações colarem, algo mais será necessário do que só as impressões das pessoas. O fato de que amplos segmentos da população parecem loucos não basta para resolver a questão. É necessário algum tipo de evidência independente. Melhor ainda, precisamos de um modelo ou mecanismo de explicação que possa mostrar como um problema como esse pode surgir e que tipos de fatores irão exacerbá-lo.
Por acaso, há um excelente modelo disponível. No entanto, para compreendê-lo, é necessário olhar para algumas características do nosso ambiente cotidiano a uma luz levemente diferente.
Os filósofos às vezes são acusados de não crer na irracionalidade, ou mais precisamente, de afirmar que a irracionalidade generalizada é uma impossibilidade conceitual4. Isso é meio que um exagero. A visão geral entre os filósofos é que atribuições de irracionalidade levantam dificuldades especiais, pois são descaridosas. O problema com interpretações descaridosas é que elas facilitam demais as coisas para o intérprete, a ponto de comprometer a plausibilidade da interpretação. Suponha que você esteja assistindo a um jogo de beisebol quando ouve por acaso seu vizinho reclamar sobre que partida de críquete terrível ela é. Os jogadores não param de cometer tantos erros! De fato, eles mal parecem entender as regras, absolutamente. O problema aqui obviamente não se encontra com os jogadores, mas com a interpretação. Se uma interpretação atribui equívocos demais a outras pessoas, ela sugere que o intérprete pode estar simplesmente tendo um mal-entendido do que está ocorrendo.
As pessoas são, em geral, bem difíceis de entender. Como todos sabemos, as coisas que fazemos e dizemos podem ser interpretadas de muitos modos diferentes. A fim de evitar perpétuos mal-entendidos, precisamos de algum modo de distinguir entre boas e más interpretações. Segundo um argumento altamente influente, proposto pelo filósofo americano Donald Davidson, fazemos isso da seguinte forma: privilegiamos a interpretação que faz a pessoa interpretada soar o mais razoável possível5. Isso não quer dizer que a irracionalidade é impossível; só quer dizer que a irracionalidade deve ser invocada somente como último recurso, quando todas as outras interpretações cotidianas do comportamento das pessoas já estiverem esgotadas.
Esse princípio foi ilustrado de um jeito bem bacana pela manchete satírica do The Onion, muitos anos atrás, que tinha a forma de sempre: “Homem Local Diagnostica Esposa com Transtorno Psiquiátrico.” A história apresentava uma entrevista com o “homem local”, que insistia que a esposa chegou em casa do trabalho um dia e “simplesmente enlouqueceu”, começou a gritar e xingar e o acabou jogando na rua. No entanto, ao lermos a história, surgem detalhes a mais que jogam dúvidas sobre a sua narrativa. Acontece que o homem estava desempregado, enquanto a esposa havia acabado de trabalhar numa jornada dupla. Ele havia convidado alguns amigos para virem assistir ao jogo em casa na TV. Um cinzeiro e talvez algumas cervejas haviam derramado sobre o tapete, com que ela pareceu estar particularmente irritada, embora ele tivesse toda intenção de limpar…
A piada, obviamente, é que a esposa começou a gritar não porque ela era doente mental, mas porque chegou em casa após um dia duro de trabalho para encontrar o marido desempregado sentado com os amigos fracassados emporcalhando a casa. No entanto, é importante observar que nenhum dos detalhes adicionais que emergem são, no sentido estrito, inconsistentes com a hipótese de que a esposa sofreu algum tipo de colapso mental inesperado. As coisas poderiam ter acontecido exatamente do modo como o marido relatou. No entanto, o que nos faz duvidar da sua interpretação é que, conforme os fatos vêm à tona, eles começam a sugerir uma explicação mais plausível. A ira da esposa poderia também ter sido uma resposta razoável às ações dos seu marido. De fato, o que se torna aparente rapidamente conforme o artigo progride é que a atribuição de irracionalidade da parte do marido neste caso foi escandalosamente autoconveniente.
A observação crucial de Davidson é que, ao avaliarmos duas interpretações rivais, não temos nenhuma necessidade de fazer referência a nenhuma evidência independente a fim de avaliar a sua plausibilidade. Não precisamos perguntar se a esposa tinha algum histórico de doença psiquiátrica. O que torna a segunda interpretação (“Ela ficou brava porque o marido fez quase tudo possível para irritá-la”) melhor é simplesmente o fato de que ela torna a sua reação mais compreensível, ou seja, mais razoável. O problema em atribuir irracionalidade às pessoas é que fornece licença criativa demais, permite que façamos uma ampla série de interpretações consistentes com os fatos. (É isso o que permite ao marido selecionar a interpretação mais autoconveniente do comportamento da esposa em vez daquela em que ele é responsável.) Na conversa do dia a dia, o modo como limitamos a multiplicidade das coisas para possibilitar a comunicação é minimizando o nível de erro e irracionalidade que atribuímos uns aos outros.
Claro que isso não nega que as pessoas podem ser irracionais, que elas podem ter muitas crenças falsas ou que estamos todos sujeitos a uma ampla gama de vieses cognitivos. O que significa é simplesmente que o modo como descobrimos o que as pessoas estão tramando é presumindo que as suas crenças são predominantemente verdadeiras e seu raciocínio, amplamente válido. Se não fizéssemos isso, seríamos imediatamente sobrecarregados pelo número de possibilidades interpretativas. (“Ele pediu uma xícara de café, mas ele não podia estar confuso sobre a diferença entre café e chá, e o que ele realmente queria era uma xícara de chá? Ou ele não podia ter querido leite? Ou ele não podia não ter querido absolutamente nada, mas meramente estava me testando para ver se sei o que é café?”) Interpretações que dependem da atribuição de erro e irracionalidade a outrem carregam um ônus de prova especial, precisamente por causa dessa atribuição. Isso não quer dizer que o ônus não pode ser descarregado. Significa que temos de ser cuidadosos sobre tacar essas acusações a torto e a direito. O que pensamos como uma exposição de erros cometidos pelos outros pode rapidamente se tornar um indiciamento da própria exposição, simplesmente porque toda vez que atribuímos um erro a outra pessoa, também aumentamos, apenas ligeiramente, a suspeita de que entendemos mal essa pessoa. Se nosso entendimento do mundo depende crucialmente da afirmação de que todos os outros são idiotas, maus, corruptos ou parte da conspiração, então o problema quase com certeza se encontra no nosso entendimento e não no mundo.6
Dito isso, pouco podemos duvidar de que os estudos psicológicos associados à tradição dos “vieses e heurísticas” tiveram êxito em mostrar que há desvios generalizados da racionalidade, em particular nas áreas descritas nos capítulos anteriores (viés da confirmação, viés do otimismo, viés da crença, etc.). O negócio é que observações da poltrona foram insuficientes para estabelecer esse resultado; a conclusão exigiu um número bem grande de estudos bem planejados (e mesmo assim, continuam controversos)7. O fato de que atribuições de irracionalidade carregam um ônus de prova considerável não significa que elas não podem ser vindicadas. Tudo que signfica é que, ao fazermos esses tipos de acusações, e tentarmos fazê-las colar, é necessário fornecer muito mais em termos de evidências do que no caso de alegações factuais corriqueiras. Similarmente, a fim de defendermos que nossa civilização está sofrendo de um declínio na racionalidade, devemos oferecer alguma razão para acreditarmos nisso, que vá além das nossas impressões pessoais.
A coisa mais importante que aprendemos sobre a razão humana durante os últimos trezentos anos é que ela está profundamente incrustada no seu ambiente, tanto físico quanto social, assim como é dependente dele. Primeiramente, muitos dos atalhos que nossos cérebros utilizam para fornecer soluções rápidas exploram regularidades e associações que ocorrem somente em ambientes naturais paradigmáticos. Em segundo lugar, muitas das competências racionais de resolução de problemas que desenvolvemos utilizam gambiarras ambientais para superar as limitações dos nossos sistemas cognitivos evoluídos. Como coloca Andy Clark, construímos “ambientes de grife” que nos permitem aperfeiçoar o poder do “cérebro biológico não aprimorado”.8
Mas, por causa disso, não é difícil imaginar uma situação em que as pessoas ficam menos racionais ou a efetividade das estratégias de resolução de problemas são comprometidas não por causa de qualquer degradação dos seus recursos “de bordo”, mas simplesmente por meio de mudanças no ambiente externo. Certos ambientes naturalmente serão mais conducentes à resolução eficaz de problemas do que outros. Isso é óbvio quando estamos tentando fazer algo como resolver um problema de matemática enquanto estamos cercados de barulhos altos ou conversas que nos distraem. No entanto, há uma infinidade de maneiras mais sutis de que mudanças em nosso ambiente podem comprometer o pensamento.
Muitas das heurísticas intuitivas que utilizamos na tomada de decisão dependem de indicadores: tomar algo que é facilmente observável como um tipo de substituto, ou representante, de algo que não é. Mudanças no ambiente podem levar facilmente essas heurísticas a falhar simplesmente ao se romper a correlação que existia no ambiente da adaptação evolutiva. Por exemplo, as pessoas têm uma aversão natural à comida azul. A explicação presumível é que, num ambiente natural, a maioria dos alimentos ficam azuis somente quando estão mofados ou podres. No entanto, no mundo moderno, qualquer comida pode ser pintada de qualquer cor, e assim a correlação entre “azul” e “inadequado para o consumo humano” em grande parte desapareceu. E não obstante isso, nossas mentes continuam a associar as duas coisas. (Quando a margarina foi introduzida ao mercado, os produtores de laticínios fizeram pressão por regulamentações que teriam forçado os fabricantes a pintá-la de azul, exatamente para diminuir a aceitação dos consumidores. Embora a iniciativa tenha fracassado, em muitas comarcas, eles de fato tiveram sucesso na tentativa de forçar os fabricantes a pintá-la com uma cor laranja “não natural”.)
Essa dependência de indicadores é uma característica ubíqua dos nossos sistemas de resolução de problemas. Como resultado, quando o ambiente muda de modo que o estímulo engatilhador não é mais um bom indicador do fenômeno subjacente, nossas heurísticas intuitivas de resolução de problemas são dadas a falhar. Já observamos, por exemplo, que no ambiente da adaptação evolutiva quase o único jeito de ver um evento acontecer era que ele realmente acontecesse. Assim, fazia perfeito sentido os nossos cérebros descobrirem como as coisas são comuns ao registrarem o número de vezes que vimos acontecer. A introdução de imagens enfia um calço entre os dois, possibilitando ver as coisas acontecerem repetidamente, até quando elas só aconteceram uma vez. E não obstante isso, toda vez que vemos uma imagem, nosso cérebro inconscientemente a registra como uma ocorrência adicional. Isso quer dizer que nossas intuições sobre a frequência com que ocorrem várias coisas, e assim sobre a probabilidade de elas ocorrerem novamente, se tornam extremamente inconfiáveis. A não ser que prestemos atenção constantemente e exercitemos um processo de anulação consciente, arriscamos nos enganar. Talvez o exemplo mais dramático disso seja o aumento acentuado no medo de sequestro infantil sentido pelos pais nos Estados Unidos, devido quase inteiramente à cobertura da mídia e representações na ficção. O estudo de maior autoridade nos Estados Unidos sugeriu que em 1999 houve somente 115 “sequestros estereotípicos por pessoas fora da família” numa população de mais de 70 milhões de crianças9. Esse é, em qualquer descrição, um número infimamente pequeno. Além disso, as taxas diminuíram desde então, em conformidade com a trajetória descendente geral das taxas de criminalidade nos Estados Unidos. E não obstante isso, o medo sentido pelos pais aumentou.
Similarmente, num mundo sem imagens, o número de vezes que você já viu alguém é um indicador confiável de quão bem você conhece essa pessoa, e assim de quem é um amigo e quem é um estranho. No entanto, viver num mundo rodeado de imagens pode nos levar a nos sentirmos como se estivéssemos perto de pessoas que jamais conhecemos, como as celebridades. (Uma vez eu equivocadamente disse “Oi” ao comediante Mike Myers na rua em Toronto. Ele pareceu familiar, de modo que simplesmente presumi que era alguém que eu conhecia. Passar por alguém na rua lhe dá apenas segundos para decidir sobre cumprimentar ou não, e assim não muito tempo para se envolver numa reflexão racional. Não temos alternativa a recorrer à nossa resposta intuitiva.) Em certos casos patológicos, isso pode levar as pessoas a se sentirem mais próximas de estranhos do que de seus amigos. No caso da obsessão por celebridades, podemos observar indivíduos que são incapazes de exercer a anulação cognitiva necessária para impor o juízo de que, embora você possa se sentir incrivelmente próximo delas, elas consideram você apenas mais um estranho. Se você der ouvidos às suas “entranhas”, elas lhe dirão que você e aquela pessoa têm sido melhores amigos por toda a vida. É só ao dar ouvidos à sua “cabeça” que você se dá conta de que isso não é verdade. O sentimento das entranhas é uma genuína falha cognitiva.
O resultado é que conforme nosso ambiente muda, conforme menos natural ele se torna, nossas estratégias intuitivas e rápidas de resolução de problemas ficam cada vez mais inconfiáveis. Isso coloca demandas cada vez maiores sobre as nossas faculdades racionais: aumentando a nossa carga cognitiva, exigindo que prestemos mais atenção e exerçamos maior esforço. Encontramo-nos tendo constantemente que anular nossos impulsos naturais a fim de refletir sobre as coisas com mais cuidado. No entanto, a razão está sujeita a gargalos, e a atenção é um recurso intrinsecamente escasso. Logo, é inevitável que, conforme o nosso ambiente se torna menos natural, comecemos a ver uma degradação no nosso desempenho cognitivo. Esse é o fundamento da comparação de Stanovich do mundo moderno com uma lâmpada de vapor de sódio.
No entanto, se essa fosse toda a história, o problema não seria tão significante assim. Infelizmente, em certo sentido, a analogia da lâmpada de vapor de sódio é bem enganosa. Esse método particular de fazer luz foi inventado a fim de produzir o máximo nível de iluminação com uma dada quantidade de eletricidade e foi adotado principalmente por causa do seu baixo custo de operação. O fato de que essas lâmpadas geram uma luz não natural que confunde o olho, fazendo-nos ver certas cores erroneamente, é algo inteiramente acidental com relação tanto a sua função quanto a sua difusão. Muito pelo contrário, a ilusão visual é um fator irritante e vai contra a adoção generalizada dessas lâmpadas (e é um dos fatores que levam à sua substituição atual pelas lâmpadas de LED). Ainda assim, muitas das características não naturais do mundo moderno — aquelas que confundem as nossas heurísticas naturais de resolução de problemas, levando-nos a tomar más decisões — foram inventadas e tornaram-se ubíquas exatamente por causa da sua tendência a nos enganarem. A falha cognitiva que elas geram não é um subproduto acidental; é seu propósito principal.
Há tantos exemplos disso ao nosso redor que nos tornamos, de muitas formas, habituados a elas. Considere, por exemplo, algo tão simples como a tampa de uma típica garrafa de sabão líquido para lavar roupas10. Esse é, realmente, um artefato finamente elaborado, produto de um longo processo de design e adaptação, repositório de considerável engenhosidade humana, tudo com o específico propósito enganar o consumidor. A típica tampa de sabão para lavar roupas explora nada menos que três diferentes fragilidades humanas, com a intenção de nos enganar para que usemos sabão demais. Primeiro, há o simples fato de que a própria tampa é escandalosamente grande, podendo conter muito mais sabão que o necessário para uma única lavagem. (Com a marca que estou usando no momento, uma tampa inteira é o bastante para cerca de seis lavagens.) O consumidor desatento simplesmente irá presumir que uma tampa será igual a uma lavagem e irá prosseguir com base nisso. E até para aqueles que sabem das coisas, a tampa serve de âncora, enviesando-nos sistematicamente em direção a derramar sabão demais11.
Segundo, a fim de descobrirmos a correta quantidade para usar, devemos efetivamente olhar dentro da tampa, onde é possível encontrar uma linha traçada fracamente, com um pequeno número 1 do lado. Observe que ela não diz “lavagem única” ou nenhuma coisa nesse sentido; há simplesmente três linhas, que dizem 1, 2 e 3. E em vez de a tampa ser transparente, para que as marcas interiores sejam claramente visíveis, ela tanto é opaca quanto é azul-escuro. Não há marcações no exterior da tampa, e as marcações no interior estão meramente em relevo, na mesma cor, tornando impossível lê-las em condições de iluminação menos que ideais, como a que encontraríamos num porão típico onde se lavam roupas. A fim de lê-las, devemos efetivamente iluminar o interior da tampa com uma luz brilhante. Nada disso é por acidente.
Finalmente, há o formato da tampa, que tem sido redesenhado ao longo dos anos a fim de torná-lo muito mais largo e menos alto. Como observou Frances Woolley, isso é feito para explorar um viés cognitivo bem persistente que nos leva a subestimar a quantidade de líquido em vidros pequenos e largos em comparação com finos e altos12. Estudos mostraram que até bartenders experientes são vítimas dessa ilusão.13 Tudo conspira numa só direção, que é para fazer as pessoas usarem sabão demais. Novamente, isso não é um acidente. A tampa foi elaborada e refinada cuidadosamente durante os anos a fim de atingir exatamente esse efeito. De fato, aqueles entre nós que são velhos o bastante conseguem se lembrar de quando as tampas eram muito menores e como elas aos poucos foram ficando maiores e mais largas. Não é exagero dizer que a tampa evoluiu de modo a melhor tirar vantagem dos defeitos em nosso sistema cognitivo. (A consequência previsível é que a pessoa mediana usa sabão para lavar roupas demais, levando a desgaste desnecessário nas suas roupas.)
A tampa do sabão é um exemplo perfeito de um artefato que está requintadamente adaptado para uma tarefa, que é fazer-nos estúpidos. Chamo objetos desse tipo de enganadores. Quando começamos a olhar em volta, podemos encontrá-los em todo lugar. Abra o capô do seu carro, por exemplo, e você verá invólucros de plástico — semelhantes a caixas, geralmente com buracos redondos — em volta de vários componentes, e também forrando o interior do capô. No ramo chamam essas coisas de ressonadores; sua função principal é transformar o som do motor, de modo que os motoristas gostem do som que eles ouvem ao pisar no acelerador. Alguns carros têm até tubos de plástico que levam som ao local onde ficam os passageiros em frequências específicas.
Durante os dias gloriosos do muscle car americano, os motores faziam um som que parecia perfeito à maioria das pessoas: um agradável rugido gutural. No entanto, a demanda por uma maior economia de combustível impôs diversas restrições de design sobre os motores que tornaram menos provável que eles produzissem o som forte de aceleração que os motoristas igualam a poder ou desempenho. A solução? Mude o som, usando a mesma tecnologia que você pode encontrar em qualquer violão, violino ou violoncelo. Quando você escuta o som do motor do seu carro, você está basicamente escutando um instrumento musical projetado para produzir o tipo de som que você quer que o seu motor faça, não o som que o seu motor realmente faz. Nada mais é que um enganador.
O que esses enganadores todos têm em comum é que eles fazem nossas heurísticas intuitivas de resolução de problemas falharem, mas de um modo não acidental em relação ao seu propósito. Eles constituem designs bem-sucedidos exatamente por causa do modo como comprometem os nossos poderes de tomada de decisão.
Estratégias heurísticas de resolução de problemas, que dependem de indicadores fáceis de observar como representantes de características da realidade difíceis de observar, funcionam somente no que Stanovich chama de “ambientes benignos”, onde ninguém ou nada está tentando tirar vantagem do resolvedor de problemas.14 A natureza é, predominantemente, tal ambiente, mas somente porque a evolução biológica é extremamente lenta. Por ser tão atrapalhada, a cognição humana cria um monte de nichos ecológicos que outras espécies poderiam explorar; só que leva tempo para eles surgirem, e os humanos são uma adição muito recente na fauna do planeta. No entanto, podemos ver os efeitos em certas espécies em que evoluíram adaptações projetadas para tirar vantagem especificamente das falhas cognitivas humanas.
Por exemplo, os humanos, como a maioria dos mamíferos, comportam-se de modo altruísta com relação à sua prole (alimentando-a, protegendo-a de ataques, etc.), e há boas razões evolutivas para tal disposição ter evoluído. Não obstante, o mecanismo que utilizamos para identificar a nossa prole é bem improvisado: dependemos principalmente de um conjunto de indícios visuais, mais importantemente o que é conhecido pelos psicólogos como características neotênicas, mas que na língua comum simplesmente chamamos de “fofura”. A fofura é uma mistura de características universais (olhos grandes, nariz pequeno, uma alta proporção entre a cabeça e o corpo, cabelo de cor diferente, etc.) com alguma medida de semelhança física. Isso tende a evocar o comportamento de cuidado. Posto de modo simples, cuidamos de crianças porque as achamos incrivelmente fofas e favorecemos os nossos filhos porque os achamos mais fofos que as outras crianças. Essa disposição não é particularmente discriminatória, conforme provado pelo fato de que muitas pessoas ficam felizes em cuidar dos filhos dos outros além dos seus e acham isso tão gratificante quanto. Mas ela cria um enorme nicho ecológico para os outros animais. Em vez de sair para encontrar sua própria comida, por que não enganar um humano para que alimente você, simplesmente sendo fofo?
Esse tipo de parasitismo não é desconhecido no reino animal. Notoriamente, o cuco explora a pega pondo seus ovos no ninho de pega e daí deixando as pegas fazerem todo o trabalho de alimentar os pintinhos. Acontece que o gatilho que gera o investimento parental em pegas — seu equivalente da fofura — é uma combinação do grito de pedido que os pintinhos fazem e a visão do seu bico aberto. Logo, evoluiu no cuco um padrão particular em sua abertura de bico e um grito mais frequente e persistente, para que seja mais provável que as pegas alimentem a ele do que aos seus próprios filhotes15. Algo mais sórdido é que nos cucos também evoluiu um impulso homicida, de modo que o pintinho cuco tenta destruir quaisquer outros ovos dentro do ninho antes de quebrarem, ou mata quaisquer pintinhos de pega ao invés de compartilhar o ninho com eles. Por causa de uma falha cognitiva, podemos ver o trágico espetáculo das pegas seguindo com as suas vidas, despreocupadamente cuidando do monstro que poucos anos antes infiltrou-se em seu lar, matou seus filhos e tomou o seu lugar.
Claro que não reagimos tão favoravelmente a goelas vermelhas escancaradas e, assim, não estamos sujeitos a essa forma particular de exploração. Mas se olharmos para as coisas às quais, de fato, reagimos favoravelmente, e daí olharmos para algumas das espécies de animais pelas quais nos cercamos, alguns paralelos desconfortáveis com a pega tornam-se aparentes. Não é por acidente, por exemplo, que achamos cães e gatos particularmente fofos (considere a expressão “cara de cachorrinho” ou quanto tempo as pessoas conseguem gastar olhando para fotos de gatos na Internet). Cães são, de muitas maneiras, simplesmente lobos neotênicos. Eles evoluíram em direção à preservação de características juvenis na vida adulta, não só aspectos da aparência, mas também do comportamento, como o latido e a brincadeira, que são coisas que somente filhotes de lobos, não lobos adultos, fazem. Só podemos presumir que muito do comportamento que interpretamos como emotivo também é uma adaptação que surgiu como um modo de nos induzir a cuidar deles.16
Clark usa o termo adaptação reversa para descrever esse processo pelo qual as coisas à nossa volta evoluem em resposta aos nossos próprios hábitos mentais e comportamentais. Da mesma forma como nós mesmos dependemos dos elementos do nosso ambiente a fim de nos reproduzirmos, alguns dos próprios elementos do ambiente dependem de nós a fim de se reproduzirem. Assim, encontramo-nos não só com corpos e cérebros que estão adaptados para lidarem com o nosso ambiente, mas também num ambiente que está de muitas maneiras — tanto sutis quanto flagrantes — adaptado para lidar conosco. Às vezes esse tipo de adaptação reversa funciona para o nosso benefício, mas com frequência não é assim.
Considere, por exemplo, o surpreendente fenômeno das frutas. Não é um acidente que, na imaginação religiosa, a existência das frutas tenha sempre sido considerada um sinal certo do amor de Deus pelas suas criaturas. Quando paramos para pensar, há algo um tanto extraordinário sobre sermos capazes de entrar numa floresta silvestre e indomada e nela encontrar, prontinhos, esses gêneros alimentícios extremamente doces, saborosos, nutritivos e coloridos, simplesmente pendurados nas árvores ou nos arbustos, fáceis de colher, aptos para segurar na palma da mão. É como se alguém por aí soubesse exatamente do que gostamos e tivesse feito a maçã ou a amora só para nós.
Não obstante, parte da razão pela qual as frutas parecem extraordinárias é que tendemos a pensar em nós mesmos como estando adaptados ao nosso ambiente, em vez do contrário. Nesse caso, no entanto, não fomos nós que evoluímos para comer frutas; foram as frutas que evoluíram para serem comidas por nós. As frutas são só mais um truque que as plantas desenvolveram para resolver o problema da dispersão das sementes. Porque elas não podem se mover, as plantas precisam de alguma maneira de espalhar para longe as suas sementes; senão elas acabam competindo com a sua própria prole por luz solar e nutrientes. A planta que esbarra num mecanismo para fazer suas sementes chegarem um tanto mais longe de si mesma do que todas as outras conseguem desfruta de uma vantagem reprodutiva. Podemos encontrar na natureza muitos mecanismos para alcançar essa finalidade. Fixar a semente a algo leve e macio que possa ser recolhido pelo vento é uma das soluções mais populares. Outra abordagem é pegar carona num animal ou num inseto que, de fato, se movimenta. Carrapichos, por exemplo, são invólucros de sementes que adquiriram a capacidade de colar-se à pelagem de mamíferos passantes, na esperança de serem derrubados a alguma distância do seu ponto de origem. As frutas são uma versão da mesma estratégia, exceto que aqui o objetivo é que sejam comidas pelo mamífero, que as sementes passem intactas pelo seu sistema digestivo e que daí elas sejam “plantadas” (e fertilizadas) a alguma distância do ponto de origem.17 Pegue uma maçã, corte-a no meio, e irá enxergar exatamente como a estratégia deve funcionar.
Com a estratégia da “fruta” em seu lugar, desenvolve-se uma competição entre as plantas, na qual aquela mais bem-sucedida em conseguir que suas sementes sejam comidas pelos mamíferos terá uma vantagem reprodutiva. Logo, enquanto outras plantas são por natureza amargas, venenosas e verdes, com o tempo algumas delas desenvolvem invólucros de sementes que são doces, atóxicos e coloridos. Isso não parece tão espetacular quando nos damos conta de que o propósito do esquema inteiro é serem comidas. As frutas estão especificamente adaptadas para satisfazerem não só os gostos dos mamíferos, mas até as nossas preferências estéticas. Isso é porque fazemos parte da sua estratégia reprodutiva, e assim, quanto mais efetivamente elas agradam os nossos gostos, mais provável é que elas tenham prole que irá sobreviver à vida adulta. E o que funciona funciona.
Mas esse tipo de adaptação reversa à psicologia humana não é tão comum na esfera biológica. No entanto, quando olhamos para a esfera cultural, a figura muda totalmente. A cultura humana também é um vasto sistema de herança, e independentemente de ser no domínio da linguagem, das instituições, da narrativa ou até das canções, variantes competem entre si. Nesse caso, cada uma dessas coisas depende inteiramente de nós para se reproduzir, e assim existe uma enorme quantidade de adaptação reversa. Considere, por exemplo, as histórias infantis. É tentador pensar que as melhores delas foram inventadas por algum gênio psicológico que sabia apertar os nosso botões. A realidade é muito mais prosaica. É que as histórias que ouvimos são o resultado de um processo implacável de seleção. Contam-se a cada um de nós literalmente milhares de histórias diferentes quando somos jovens. Poucas dessas histórias — para a maioria de nós, muito poucas — serão memoráveis o bastante para as passarmos adiante para os nossos filhos. É útil pensar nisso como uma gigantesca competição entre histórias, em que a maneira para uma história sobreviver é conseguir ser memorizada e recontada (ou, na era do livro, reimpressa e recomprada). Em tal ecossistema altamente competitivo, as histórias mais memoráveis serão aquelas que são maximamente eficazes em explorar todas as peculiaridades da psicologia humana — em particular, agradar os vieses do “bibliotecário” responsável por organizar e recuperar nossas memórias — geralmente dos modos mais sutis possíveis. Não é um acidente que as histórias que você é mais dado a passar adiante têm centenas, em muitos casos milhares, de anos de idade. O fato de que elas são antigas se deve exatamente ao fato de elas serem as mais hábeis em se reproduzir.
Se olharmos à nossa volta, podemos encontrar dinâmicas evolutivas como essa por todo o ambiente. Considere fast-food. Todo ano nos Estados Unidos, dezenas de milhares de novos restaurantes abrem suas portas, cada qual com um cardápio ligeiramente diferente daquele de todos os outros. Uma fração muito pequena deles com o tipo certo de cardápio se tornará popular o bastante para se tornar uma franquia. Em outras palavras, eles se reproduzem. E das centenas de novas franquias de restaurante introduzidas todo ano, um punhado delas se tornarão muito bem-sucedidas, se espalharão pelo país e talvez até vão se expandir para mercados exteriores. O que é importante reconhecer é que esses restaurantes são o resultado de um processo de seleção extraordinariamente competitivo. Embora eles possam satisfazer o menor denominador comum, podemos ter certeza de que a sua comida apela aos mais poderosos universais humanos relativos a gostos. O hambúrguer e a batata frita essencialmente evoluíram a fim de serem aprovados por nós (muito semelhantemente a como as frutas evoluíram a fim de serem comidas). De fato, poderíamos até pensar na maçã como a tentativa da natureza de produzir uma batata frita18.
Logo, quando olhamos para o mundo à nossa volta, particularmente para os elementos do ambiente construído, é importante não pensar nele como algo inerte, simplesmente um pano de fundo para as nossas vidas. Muito pelo contrário, ele está mudando constantemente e se adaptando a nós. Isso levanta uma importante questão: é provável que esses processos de adaptação reversa que operam em nossa cultura produzam um ambiente que é mais benigno ou mais hostil à qualidade da tomada de decisão humana?
A resposta é, penso eu, facilmente discernida. Na ausência da orientação consciente, a evolução cultural produzirá um ambiente que é mais hostil à racionalidade humana. Acabaremos com um ambiente cada vez mais cheio de enganadores. Há três forças principais em ação produzindo esse resultado, que chamarei de agregamento, contágio e bombeamento: agregamento porque, uma vez inventados enganadores, é difícil nos livrarmos deles, e assim enganadores tendem a acumular-se ou “agregar-se” na população; contágio porque, graças à sua natureza enganadora, os enganadores frequentemente são bons em se reproduzir; e, finalmente, bombeamento porque os criadores desses enganadores frequentemente os usam para “bombear” o dinheiro das pessoas, e assim existe um incentivo econômico para produzi-los. Essas três forças conspiram para tornar nosso ambiente mais hostil com o passar do tempo. Claro que, porque são mecanismos que operam na nossa cultura, eles não são algo que a natureza nos faz. Em última análise, são coisas que fazemos uns aos outros. Mas porque ocorrem por meio de processos evolutivos, nem sempre podemos percebê-los, e eles podem ser incrivelmente difíceis de reverter.
A evolução das frutas é um exemplo de uma adaptação ambiental “agradável”. É nesse aspecto um tanto incomum, visto que a maioria esmagadora de tais adaptações são sórdidas. Só precisamos comparar a relativa infrequência da simbiose na natureza, em comparação com o parasitismo, a fim de enxergar isso. Considere o caso dos vírus. A maioria das pessoas percebem que em nós evoluíram adaptações que surgiram em resposta a vírus: nosso sistema imunológico, por exemplo. Menos gente percebe que os vírus também evoluem em resposta a nós. Somos, afinal, o ambiente em que eles se reproduzem. Essa é, na realidade, uma das razões para não termos que nos preocupar demais com o supervírus dos filmes clássicos de Hollywood, que mata, dentro de horas, todos com quem ele entra em contato. A fim de sobreviver, um vírus precisa se reproduzir. Qualquer variante que mate o seu hospedeiro rápido demais está se privando do seu melhor meio de reprodução e dispersão. (É por isso que, por mais estranho que pareça, filmes de vírus-zumbi, como Resident Evil, 28 Days Later ou Eu Sou A Lenda, na verdade fazem mais sentido que os filmes de pandemia “sérios”, como Contágio e Epidemia. Pelo menos com zumbis, você sabe que o vírus se reproduz.)
Com um vírus influenza típico, a pessoa que o contrai se torna contagiosa um dia antes de começar a apresentar sintomas. É exatamente por causa da delonga no início dos sintomas que o vírus é capaz de se reproduzir com tanto sucesso (enquanto a pessoa segue a sua vida, alheia ao fato de que está infectando os outros). Em contraste, o vírus SARS que nos deu um susto em 2002–2003 acabou se esgotando, principalmente porque deixou as pessoas doentes rápido demais. As pessoas que o contraíram já se sentiam incrivelmente doentes à altura que se tornavam contagiosas, e assim paravam de ir para o trabalho, ou ficando em casa, ou indo para o hospital. Assim, o vírus era, de uma perspectiva evolutiva, inapto, exatamente porque deixava as pessoas doentes rápido demais. (Muita gente acha que a taxa de mortalidade da AIDS diminuiu em parte pelo mesmo mecanismo: variantes menos letais têm uma vantagem reprodutiva sobre as que matam o hospedeiro rápido demais, e assim o vírus está evoluindo para tornar-se menos letal.)
Esses exemplos são impressionantes porque mostram que vírus se adaptam não só à nossa fisiologia, mas também ao nosso comportamento social, a fim de maximizar o contágio. Como resultado disso, acabamos com um enorme número de vírus fazendo corpo mole na população. Se eles forem letais demais, eles se esgotam: ou as pessoas morrem, ou elas desenvolvem imunidade. E assim as populações humanas acabam carregando por aí uma coleção de vírus que se tornaram nada mais que aborrecimentos de nível baixo a médio.19 É comum atualmente falarmos de “supergermes”, que desenvolveram resistência a antibióticos. Mas é importante dar-nos conta de que quase todas as doenças em circulação já são um tipo de supergerme selecionado dentre milhares de variantes com base na sua capacidade de nos explorar do modo exatamente certo, não só esquivando-se do sistema imunológico, mas reproduzindo-se sem se esgotarem. O problema é que, quando esses germes extremamente bem adaptados são adicionados à população, eles muito raramente vão embora, e assim acabamos carregando conosco um agregado sempre expansivo de vírus.
Quando olhamos para as coisas assim, é desconfortável dar-nos conta de que muitos aspectos da nossa cultura funcionam da mesma forma. O exemplo mais óbvio são substâncias adictivas. A adicção é uma forma de comportamento irracional causada pela distorção no modo como avaliamos a satisfação futura. Certas substâncias produzem uma enorme rajada de prazer inicial, seguida de sequelas sórdidas, de modo que são nocivas no longo prazo. Quando examinadas à distância, podemos decidir que não vale a pena ingeri-las (fumá-las, cheirá-las, injetá-las, etc.). E não obstante isso, quando se apresenta a oportunidade, podemos nos encontrar tentados, pois o prazer imediato agiganta-se, ao passo que as sequelas estão mais distantes. E assim mudamos de ideia, agimos contra o nosso “melhor julgamento”, só para nos arrependermos da decisão depois. É esse ciclo de compromisso, reversão e arrependimento que é o traço característico da adicção. Ele persiste por causa de uma fraqueza no mecanismo que utilizamos para implementar decisões racionais. As coisas pioram em casos em que as sequelas podem ser aliviadas pela ingestão de mais da substância (o truque consagrado pelo tempo de beber para curar uma ressaca). Nesse caso, o arrependimento se transforma numa ânsia por mais.
A adicção tem sido um problema durante grande parte da história humana. E mesmo assim, historicamente falando, a maioria das sociedades tiveram de lidar com os problemas colocados por uma, no máximo duas substâncias. Os europeus tiveram o álcool, os asiáticos tiveram o ópio, os povos nativos dos EUA tiveram o tabaco. Um dos impactos imediatos do comércio internacional foi que ele globalizou essas substâncias: os europeus introduziram o álcool às Américas e trouxeram para casa folhas de coca e tabaco. Em alguns casos as consequências para a saúde eram desconhecidas, mas em outros casos — notoriamente, o ópio na Ásia — não eram. Em cada um desses casos, uma vez introduzida a substância — a planta e suas propriedades, no caso do ópio e da coca, ou o método de destilação, no caso do álcool —, não havia modo de reverter a situação. O conhecimento é preservado na cultura, e a substância fica perambulando por aí. Assim, cada cultura acaba carregando por aí um “agregado” de substâncias adictivas de modo muito semelhante a como carrega por aí um agregado sempre expansivo de vírus. (E em casos de contato entre essas culturas globalizadas e povos indígenas, com frequência é difícil dizer o que causa mais dano: a súbita exposição ao agregado de vírus altamente contagiosos ou a exposição a substâncias altamente adictivas.)
Se olharmos para o progresso da civilização humana, veremos que houve sem dúvida algum aumento no nível de autocontrole puramente interno que as pessoas são capazes de exercer. O brilhante e influente estudo de Norbert Elias sobre a história das boas maneiras à mesa é geralmente citado como evidência disso.20 O desfecho do argumento de Elias é que a criança mediana de dez anos de idade em nossa sociedade exerce mais autocontrole que a maioria dos adultos europeus eram sequer capazes de exercer três ou quatro séculos atrás. Mas há limites ao que pode ser alcançado pela socialização, simplesmente porque o processo está sujeito a restrições biológicas, ao passo que a descoberta de novas maneiras de explorar a fragilidade humana não está.
Foi assim que evitar a adicção a drogas se tornou um dos principais focos da socialização na nossa sociedade e talvez a mais importante fonte de conflito entre pais e filhos. No mundo moderno, simplesmente é exigido das pessoas que elas exerçam muito, muito mais força de vontade e previdência do que qualquer um já exerceu no passado. O conselho “não vire um viciado” pode parecer bom senso; no entanto, é muito mais difícil de seguir agora do que foi em qualquer outra época na história humana. No século XIX, o único perigo real ao norte-americano era o de virar um alcoólatra. O tabaco e o café estavam disponíveis, mas eram bastante inofensivos (a expectativa de vida era baixa, de modo que a maioria das pessoas jamais chegavam à idade em que poderiam desenvolver câncer por fumarem). No século XXI, por outro lado, parece que existe uma substância adictiva para satisfazer todo gosto possível, todas amplamente disponíveis em mercados legais e ilegais. Existem os velhos baluartes: álcool, opioides, cocaína e tabaco; mas também alguns novatos, como a metanfetamina e o fentanil; e até os exóticos como o khat e a noz de areca. Daí, existem os produtos refinados, mais adictivos do que os originais, como a oxicodona e o crack. E claro, existe injeção intravenosa, que fornece uma “adrenalina” mais rápido que fumar ou cheirar, e assim é capaz de explorar de modo mais eficaz a distorção das nossas atitudes temporais. Algumas dessas substâncias e práticas jamais sobem para além do limiar dos “maus hábitos”, mas outras podem gerar dentro de semanas adicções extravagantes que destroem vidas.
Todas essas substâncias adictivas são os equivalentes culturais dos “supergermes”. Elas são muito eficazes na autorreproducão e altamente resistentes à erradicação. Além disso, podemos esperar que evoluam com o tempo, por uma combinação de seleção natural e humana, para se tornarem mais, não menos, adictivas. (Por exemplo, embora haja algum debate sobre se a maconha deve ser classificada como adictiva, os seus plantadores certamente farão o seu melhor para a tornarem adictiva, fazendo cruzamento seletivo das plantas para aumentar a concentração da química psicoativa THC.) Esse é um exemplo perfeito de uma adaptação reversa que é nociva para a população humana. Além disso, o fato de que essas substâncias tendem a se agregar na cultura nos dá razão para pensar que com o tempo nosso ambiente se tornará mais hostil. De fato, é difícil pensar em qualquer época na história humana em que se exigiu das pessoas que elas exercessem tanta previdência e autocontrole — em suma, que fossem tão racionais — quanto se exige hoje.
Como se isso não fosse ruim o bastante, as pessoas têm trabalhado duramente para tornar muitas outras coisas que consumimos tão adictivas quanto possível, em alguns casos imitando o padrão de estimulação que substâncias naturalmente adictivas possuem. Mencionei na seção anterior que a comida fast-food é o resultado de um processo evolutivo, um que não só a tornou mais saborosa, mas também tornou difícil parar de comê-la — um fato que alguns fornecedores anunciam alegremente, como no slogan da batata chips Lay’s: “Aposto que não consegue comer só uma.” Se olharmos para o padrão de estimulação gerado por, digamos, um salgadinho tortilla chip, ele tem uma carga inicial desigual de prazer. De fato, a planeza do salgadinho é feita para maximizar a área de superfície a fim de entregar a maior carga possível de sabor à língua (onde as papilas gustativas estão localizadas) tão rápido quanto possível. O salgadinho tem então um gosto residual levemente borrachudo e não particularmente apetitoso, que pode ser facilmente eliminado ao comermos… mais outro! Assim, o tipo de ingestão alimentar compulsiva que ele encoraja não é tão diferente assim de beber para curar uma ressaca.
É importante percebermos que adicção não é a mesma coisa que dependência química. Adicção é um fenômeno psicológico, associado a um padrão particular de estimulação. É por isso que não é enganoso descrever certos alimentos ou atividades como adictivos. De fato, o consenso emergente com respeito a jogos de azar é que eles também são capazes de produzir uma genuína adicção em indivíduos vulneráveis. Como observaram Don Ross e Harold Kincaid, quando as pessoas falam de “viciados em compras” ou “viciados em sexo” isso é só um jeito exagerado de dizer que pessoas gostam muito dessas atividades. “Nenhuma evidência cientítifica vincula um intenso interesse em sexo ou compras às ‘clássicas’ adicções a drogas”. Mas quando as pessoas dizem que estão adictas a jogos de azar, elas estão dizendo algo muito mais próximo da verdade ao pé da letra. Apesar do fato de que nesse caso “não há dependência nenhuma de substâncias exógenas”, há, no entanto, “fortes evidências comportamentais e neurológicas de que jogatina patológica e dependência de substâncias compartilham um conjunto comum de características”.21
Logo, não é surpreendente quando descobrimos que os cassinos têm evoluído com o tempo de tal forma a encorajar mais e mais comportamento compulsivo entre os jogadores. As pessoas que os administram sabem que, para a maioria dos jogadores, não se trata tanto do dinheiro quanto do padrão de estimulação. (É por isso que, por exemplo, descobriu-se que os caça-níqueis são igualmente adictivos independentemente de se as apostas são altas ou baixas22). Alguns jogos também são mais adictivos que outros: os caça-níqueis são os piores, razão pela qual o cassino típico os têm enfileirados nas entradas, dificultando sair e entrar sem sucumbir ao seu engodo. (O mesmo princípio é responsável pela estante de lanches ao lado dos caixas de supermercado.) No cassino, tudo dos tapetes até a música e a ausência de janelas e relógios, sem falar dos comes e bebes grátis, é feito para comprometer o autocontrole, um gigantesco e hipercomplexo enganador.23
O problema é que essas técnicas, uma vez desenvolvidas, podem ser facilmente copiadas. De fato, algumas das estratégias em exposição nos cassinos são copiadas dos supermercados, onde o comportamento do consumidor tem sido intensamente estudado há décadas. Como todos sabem a esta altura, toda a planta do supermercado-padrão é projetada não para a conveniência, mas antes para manipular o comportamento do consumidor. É por isso que os laticínios estão no fundo da loja, para que você não simplesmente entre e compre leite sem passar por todos os outros alimentos. É por isso que os ítens de maior margem de lucro ficam no lado da mão esquerda conforme você percorre o corredor (a maioria das pessoas compram “para a esquerda”, dando a esses itens maior visibilidade)24. É por isso que os fornecedores têm de pagar uma sobretaxa para que seus itens sejam estocados no fim dos corredores, onde eles terão a maior visibilidade. Absolutamente nada disso é feito com o objetivo de aprimorar a qualidade da tomada de decisão, muito menos os hábitos alimentares saudáveis, do consumidor. Muito pelo contrário, é feito para maximizar a receita da loja.
A mais nova fronteira é a Internet, em que o modelo da propaganda para a geração de receita tem significado que capturar a atenção das pessoas (medida em “eyeballs” [literalmente globos oculares em inglês] e “cliques”) é o imperativo econômico prevalecente. Muitas pessoas perceberam cedo que o envio de e-mails e mensagens pode ser adictivo — a migração disso dos computadores para os telefones gerou a visão familiar de pessoas que não conseguem sobreviver cinco minutos sem tirar o telefone de algum lugar e olhar a sua caixa de entrada. (De fato, muitas pessoas, lendo essa última frase, sem dúvida serão apoderadas pelo impulso de pôr o livro na mesa e olhar suas mensagens agora mesmo.) O Facebook, com suas constantes atualizações de status, exacerba consideravelmente a mesma tendência. Muitas pessoas ficam alarmadas com o modo como isso pode se tornar compulsivo. Daí veio o Twitter, que é pior ainda. E finalmente existem os videogames, particularmente aqueles nos telefones, que cada vez mais se tornaram um concurso para ver quem consegue produzir o produto mais adictivo. Em 2011, a empresa que criou Angry Birds relatou que o jogo havia sido baixado mais de 500 milhões de vezes e que os usuários estavam gastando coletivamente mais de 200 milhões de minutos por dia jogando-o. Poderíamos pensar que com mais de um bilhão de smartphones em circulação, o fato de que tanta gente está carregando por aí potentes computadores teria a capacidade de melhorar dramaticamente a qualidade da tomada de decisão. Muitas pessoas estão preparadas para se expressar com eloquência sobre como o seu iPhone tornou-se uma extensão da sua mente, permitindo-lhes descarregar um enorme número de tarefas cognitivas. E pode ainda chegar o dia em que computadores de companhia serão capazes de nos ajudar, em tempo real, a evitar muitas armadilhas crônicas da irracionalidade humana. Por ora, no entanto, para cada pessoa que foi auxiliada pela súbita disponibilidade da computação portátil, há dezenas mais para as quais o telefone serviu como nada mais que uma fonte de distração, e com frequência um portal para comportamentos obsessivos e adictivos.
Tomadas separadamente, cada uma dessas tendências pode ser facilmente defendida como uma diversão inofensiva. E ainda assim, precisamos reconhecer as consequências globais para o indivíduo de produzir um ambiente construído em que, com efeito, tudo é uma armadilha, feita para explorar as fragilidades da psicologia humana. Tendemos a fazer pouco caso do fato de que os ambientes que criamos se tornam mais fisicamente confortáveis com o passar do tempo, e ainda assim, não evocamos preocupação alguma com o fato de que esses ambientes estão constantemente se tornando mais psicologicamente hostis. Se estamos procurando uma razão para pensar que o mundo ficou louco — ou, para colocar isso numa linguagem menos alarmista, que houve uma degradação geral da racionalidade na nossa sociedade —, temos agora os elementos de uma teoria. Como seres humanos, dependemos fortemente do nosso ambiente a fim de raciocinar corretamente, mas nosso ambiente está evoluindo constantemente, passando por um processo de adaptação reversa que favorece artefatos culturais que exploram elementos da nossa irracionalidade. E assim temos de trabalhar mais e mais duramente conforme o tempo passa, pois as nossas estratégias intuitivas de resolução de problemas se tornam cada vez mais inaptas. E porque os recursos cognitivos necessários para anular as nossas heurísticas falhas são intrinsecamente escassos, encontramo-nos ficando cada vez mais para trás.
- Jacoby, The Age of American Unreason. ↩︎
- A frequência de eventos climáticos extremos nos anos recentes elevou a taxa desde então para 50 por cento. ↩︎
- Cathy Lynn Grossman, “Poll: 83% Say God Answers Prayers, 57% Favor National Prayer Day,” USA Today (May 4, 2010). ↩︎
- Veja Stanovich, Decision Making and Rationality, pp. 95–124; também Stanovich, The Robot’s Rebellion, p. 155. O artigo que serviu como o foco de muita discussão foi L. Jonathan Cohen, “Can Human Irrationality Be Experimentally Demonstrated?” Behavioral and Brain Sciences, 4 (1981): 317–70. ↩︎
- Estritamente falando, isso maximiza a atribuição de crenças verdadeiras. Veja Donald Davidson, “On the Very Idea of a Conceptual Scheme,” Proceedings and Addresses of the American Philosophical Association, 47 (1973–1974): 5–20. ↩︎
- Joseph Heath, “Problems in the Theory of Ideology,” em William Rehg and James Bohman, eds., Pluralism and the Pragmatic Turn: The Transformation of Critical Theory; Essays in Honor of Thomas McCarthy (Cambridge, MA: MIT Press, 2001). ↩︎
- P. ex., Gigerenzer, Gut Feelings. ↩︎
- Clark, Being There, p. 191. ↩︎
- Esse é o estudo NISMART-2 feito pelo Departamento de Justiça dos EUA: David Finkelhor, Heather Hammer, and Andrea J. Sedlak, “Nonfamily Abducted Children: National Estimates and Characteristics,” NISMART: National Incidence Studies of Missing, Abducted, Runaway, and Thrownaway Children (Washington, D.C.: U.S. Department of Justice, Office of Justice Programs, Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention, October 2002), http://www.missingkids.com/en_US/documents/nismart2_nonfamily.pdf (acessado em 11 de maio de 2013). ↩︎
- Esse exemplo foi tirado de uma brilhante discussão de Frances Woolley, “Over-selling Soap,” Worthwhile Canadian Initiative (December 2, 2010), http://worthwhile.typepad.com/worthwhile_canadian_initi/2010/12/the-news-item-dominated-the-new-york-times-most-popular-list-for-weeks-for-your-dishwashers-sake-go-easy-on-the-detergent.html (acessado em 11 de maio de 2013). ↩︎
- Veja a discussão sobre efeitos de ancoragem no capítulo 5. ↩︎
- Observação original de Jean Piaget, Six Psychological Studies (New York: Random House, 1967). ↩︎
- Woolley, “Over-selling Soap.” ↩︎
- Stanovich, Rationality and the Reflective Mind, p. 21. ↩︎
- N. B. Davies, Cuckoos, Cowbirds and Other Cheats (London: T. & A. D. Poyser, 2000), pp. 104–5. ↩︎
- Brian Hare and Vanessa Woods, The Genius of Dogs: How Dogs Are Smarter Than You Think (New York: Penguin, 2013), pp. 119–21. ↩︎
- Mary F. Wilson and Anna Traveset, “The Ecology of Seed Dispersal,” em Michael Fenner, ed., Seeds, 2nd edn. (New York: CABI, 2000). ↩︎
- É por isso que há algo suspeito sobre as pessoas que alegam não gostar de fast-food. Claro que não há dúvida de que alguns são capazes de cultivar um desgosto por esse tipo de comida, frequentemente canalizando o nojo que sentem pela classe social do consumidor de fast-food mediano. Mas negar que hambúrgueres, pizzas ou burritos se comunicam com você em algum nível me parece pouco mais que uma tentativa de negar a sua humanidade essencial. Vê-los como o resultado de um processo evolutivo incrivelmente competitivo é central para entender o seu apelo. ↩︎
- Essa é uma das teses centrais do livro altamente influente de Jared Diamond sobre o contato europeu com as Américas: Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human Societies (New York: W. W. Norton, 1997). Diamond defende que a Europa e a Ásia vinham em essência trocando doenças entre si havia séculos, resultando em ambas as populações compartilharem um agregado incrivelmente amplo de vírus e terem altos níveis de imunidade adquirida. As Américas, em parte por causa da sua geografia norte-sul, não teve a mesma troca de doenças, e assim tinha um estoque relativamente pequeno de vírus e muito pouca imunidade. Os europeus tiveram séculos para se adaptar aos vírus que carregavam consigo. Quando esse lote inteiro de vírus altamente contagiosos foi introduzido todo de uma vez nas Américas, o resultado foi a completa extinção da população indígena em certas áreas. ↩︎
- Norbert Elias, The Civilizing Process, Vol. 1 (Oxford: Blackwell, 1969). ↩︎
- Don Ross and Harold Kincaid, “Introduction,” em Don Ross, Harold Kincaid, David Spurrett, and Peter Collins, eds., What Is Addiction? (Cambridge, MA: MIT Press, 2010), p. ix. ↩︎
- Wolff, Ethics and Public Policy, pp. 52–53. ↩︎
- Veja Natasha Dow Schüll, Addiction by Design (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2012). ↩︎
- Para uma discussão geral, veja Ron Larson, “Core Principles for Supermarket Aisle Management,” Journal of Food Distribution Research, 37 (2006): 107–11 ↩︎