No início do século XXI, mais de 40 por cento dos americanos não sabiam que a Terra orbita o Sol num ciclo de um ano de duração (Otto, 2016, p. 224). Outros 52 por cento não sabiam que os dinossauros morreram antes do surgimento dos humanos e 45 por cento estavam alheios ao fato de que o mundo é mais antigo que 10.000 anos. Nem é preciso mencionar os números igualmente alarmantes de pessoas que creem em fantasmas, alienígenas espaciais, monstros paranormais, possessão demoníaca, anjos, demônios, milagres e assim por diante (Smith, 2010, pp. 22–23).
Esse público predominantemente analfabeto em ciência parece carecer das habilidades necessárias para discernir entre alegações de conhecimento concorrentes ou para diferenciar entre fatos e opiniões. Vivemos agora numa pavorosa e confusa era de “pós-verdade”, desinformação, “notícias falsas”, “contraconhecimento”, “mentiras militarizadas”, teorias da conspiração, pensamento mágico e irracionalismo (veja Andersen, 2017; Levitin, 2016).
Ideias fajutas e irracionais (crenças que foram falseadas ou são infalseáveis) estão prosperando e parecem ser amplamente recebidas e aceitas. No entanto, tolerar o irracionalismo e o analfabetismo científico impõe muitos perigos. É perigoso para o bem-estar individual. Várias pessoas já morreram por causa da sua confiança em curas médicas alternativas espúrias e várias outras perderam todas as suas economias por crerem em médiuns e milagreiros (veja Bridgstock, 2009, pp. 1–3; Coyne, 2015, pp. 229–239; Gilovich, 1993, pp. 5–6; Hines, 2003, pp. 38–41; Schick and Vaughn, 2014, pp. 12–13). Mais que isso: a aquiescência ao irracionalismo ameaça o bem-estar da nossa sociedade (veja Mooney and Kirshenbaum, 2009; Sharlet, 2010). Como os filósofos Theodor Schick e Lewis Vaughn (2014, p. 13) colocaram as coisas:
Uma sociedade democrática depende da capacidade de seus membros de fazer escolhas racionais. No entanto, escolhas racionais devem basear-se em crenças racionais. Se não conseguimos saber a diferença entre alegações sensatas e insensatas, nos tornamos suscetíveis às alegações de charlatães, malandros e saltimbancos.
Os fomentadores do sobrenaturalismo, dogmas anti-intelectuais, credulidades medievais, e “formas alternativas de conhecimento” que são cotidianamente uma afronta à nossa inteligência e sensibilidades, estão fervilhando com húbris e fanfarrices, dizendo que a ciência agora está defunta e oferecendo as suas próprias “verdades” e “modos de saber” como melhores substitutos. No entanto, antes de nos submetermos às asserções dos ideólogos religiosos, milagreiros e curandeiros e fazermos das suas “verdades” o fundamento da nossa visão de mundo, precisamos fazer a seguinte pergunta: as afirmações de que a ciência está defunta se baseiam em evidências convincentes? Para responder essa pergunta, olhemos as circunstâncias que nos trouxeram até aqui.
Explicações para a ascensão do anti-intelectualismo e de perspectivas anticiência neste país, sem dúvida, incluiriam muitos fatores complexos interligados, como a globalização, deslocações demográficas, mudanças na infraestrutura socioeconômica, disparidades em riqueza e poder, o desencantamento do mundo causado pela ciência e a tecnologia, e assim por diante. No entanto, como o escritor de ciência Shawn Otto discute em seu livro recente The War on Science: Who Is Waging It, Why It Matters, What We Can Do About It [A Guerra à Ciência: Quem Está Travando-a, Por que ela Importa, o que Podemos Fazer a Respeito dela] (2016), o ataque acadêmico sistemático que há décadas tem ocorrido à ciência e ao racionalismo se posiciona acima de muitos outros fatores. O livro Higher Superstition: The Academic Left and Its Quarrels with Science [Superstição Superior: A Esquerda Acadêmica e as suas Querelas com a Ciência] de Paul Gross e Norman Levitt (1994) também fornece uma explicação esclarecedora sobre a guerra acadêmica à ciência. Mais especificamente, a filósofa e historiadora da ciência Noretta Koertge (1998) explora a influência direta que esse ataque à ciência teve sobre a alfabetização científica em várias áreas de estudo nos Estados Unidos. É constrangedor que a antropologia cultural, a disciplina à qual pertenço, tenha sido instrumental nesse desagradável empreendimento (veja Otto, 2016, pp. 175–176).
A partir do final dos anos 1960, os antropólogos culturais — em conjunto com os seus equivalentes nos estudos anglísticos, na educação, no jornalismo, na ciência política, nos estudos culturais, nos estudos sociais da ciência e nas humanidades — se envolveram coletivamente num empreendimento intelectual aparentemente bem-intencionado de “falar a verdade aos poderosos”. O seu objetivo era promover o igualitarismo epistemológico abertamente para perspectivas diversas e criar uma sociedade mais tolerante e multicultural, livre de todos os males da modernidade. Eles argumentaram que o poder hegemônico e o autoritarismo da modernidade tinham de ser expostos, e esses sábios alegavam possuir as ferramentas intelectuais para realizar a tarefa. Em seu discurso, a ciência e as verdades científicas (enganosamente concebidas como “verdades absolutas”) foram selecionadas como a corporificação daquele poder hegemônico e dos seus males, como o racismo, o sexismo, o imperialismo, o colonialismo, o militarismo, a opressão, a escravidão, a supremacia branca, a bomba atômica e a destruição da biosfera.
Esse movimento intelectual ficou conhecido variavelmente como construtivismo, desconstrutivismo, pós-estruturalismo e pós-modernismo. Aqui, usarei o termo pós-modernismo (Sokal, 2008, p. 269). Os paradigmas desse movimento consistiam num punhado de filósofos franceses, incluindo Michel Foucault, Jacques Derrida, Jean-François Lyotard e Bruno Latour (veja Sidky, 2004, pp. 394–412). Embora as suas obras diferissem em vários aspectos, eles tinham características gerais em comum, como um desdém pela tradição racionalista do Iluminismo, uma desconsideração pela lógica e os dados empíricos, a ideia da “construção cultural do conhecimento” e abordagens subjetivas e intuitivas ao conhecimento. Além disso, embora pontificar sobre a ciência tenha se tornado o seu forte, nenhum desses estudiosos era treinado como cientista profissional.
Filósofos irracionalistas nos Estados Unidos, como Thomas Kuhn e Paul Feyerabend, também contribuíram para o programa anticiência pós-moderno. Em seu livro altamente aclamado A Estrutura das Revoluções Científicas (1970), Kuhn afirmou que verdades científicas dependem do acordo entre cientistas que operam sob um guarda-chuva intelectual, ou paradigma, construído em torno de um âmago de ideias baseadas em fatores culturais e sociopolíticos irracionais. Um paradigma persiste por um tempo até que um acúmulo de anomalias com as quais ele não consegue lidar resulta numa “revolução científica” e no estabelecimento de um novo paradigma construído sobre novas convenções vinculadas a um diferente conjunto de fatores sociopolíticos. Segundo Kuhn, as soluções a questões são relativas a um paradigma, não às evidências empíricas. Por essa razão, paradigmas são incomensuráveis, e não existe crescimento de conhecimento científico na realidade. Se isso fosse verdade, significaria que o nosso conhecimento do mundo e do universo hoje não aumentou para além do estado de conhecimento de quatrocentos anos atrás, uma visão que beira o ridículo e é uma deturpação da história da ciência. Soluções sob paradigmas anteriores não se tornam “não soluções” depois de mudanças de paradigma (Kuznar, 2008, p. 57; Stove, 2001). Assim, cientistas ainda usam a lei da gravidade de Newton para calcular as órbitas de espaçonaves (Stenger, 2008, pp. 114–115). Como o filósofo David Stove (2001, pp. 21–50) salienta em sua crítica devastadora, a visão irracionalista que Kuhn tinha da ciência parece plausível porque ele dependia de evocações, ambiguidades, falsas equivalências e inconsistências astuciosas. Há somente algumas instâncias do tipo kuhniano de revolução na história da ciência. Por essa razão, o físico ganhador do Prêmio Nobel Steven Weinberg (1998) se refere às ideias de Kuhn como “a revolução que não aconteceu”.
Paul Feyerabend, autor de Contra o Método (1975), similarmente defendeu a ideia da construção social do conhecimento ao afirmar que os protocolos e a metodologia de pesquisa científica são meramente ornamentações que legitimam verdades estabelecidas através de meios irracionais sujeitos a fatores sociopolíticos e históricos. Partindo de uma observação razoável de que “todas as metodologias têm limitações”, Feyerabend (1975, p. 296) chega à conclusão errônea, e a um verdadeiro non sequitur, de que na busca do conhecimento “vale tudo” tanto no contexto da descoberta quanto no contexto da justificação (Sokal, 2008, p. 199). Portanto, não há distinções epistemológicas entre ciência e religião ou mitologia. Isso é uma deturpação grosseira do empreendimento científico (Gross and Levitt, 1994, p. 47).
Apesar de tais problemas epistemológicos, os pós-modernistas foram capazes de lançar uma campanha de desinformação abrangente para deslegitimar a ciência e a racionalidade. Os efeitos angustiantes dessa campanha foram dolorosamente trazidos à tona para muitos após a eleição presidencial dos EUA em 2016. O ataque à ciência centrava-se na ideia do relativismo epistemológico. Isso implica a premissa de que condições de conhecimento são tais que a verdade e a falsidade de asserções são dependentes do contexto, situadas, e sempre relativas a matrizes culturais ou sociais, posições políticas, classes, gêneros, etnias, raças e religiões. Assim, é falsa a ideia de que o conhecimento científico depende de evidências empíricas objetivas. Ao excluírem a dimensão empírica do empreendimento científico, esses escritores deturparam a ciência como meramente uma “história” ou narrativa como qualquer outra que se baseia em ornamentações retóricas e jogos de linguagem para persuadir as pessoas da sua legitimidade e autoridade. O relativismo epistemológico dita que nenhuma história ou representação da realidade pode ser privilegiada, pois há múltiplas realidades e verdades igualmente válidas. Além disso, porque todas as verdades são relativas, afirmavam os pós-modernistas, de quem é a verdade que prevalece é um coeficiente do poder e da coerção (Foucault, 1984, p. 75). O Ocidente é dominante e hegemônico, e assim suas “verdades” (isto é, a ciência) são privilegiadas.
Para expor a natureza exata das relações de poder, pensavam os pensadores pós-modernistas, temos de olhar para o contexto linguístico daquilo que se alega ser verdade, pois nada existe separadamente do discurso que constitui o objeto. Em outras palavras, a apreensão de uma realidade fora das redes linguísticas que nos enreda não é possível, o que é uma asserção que vai de encontro às evidências antropológicas, à ciência, ao senso comum e à epistemologia cotidiana. Sobrevivemos e agimos com sucesso no mundo durante nossas interações no dia a dia, presumindo que a realidade “lá fora” existe (Abel, 1976, p. 33). Apesar de vários fatores que enviesam as nossas percepções de várias maneiras, nossos sentidos não nos enganam sistematicamente o tempo todo. É por isso que não topamos com as paredes, não caímos de penhascos, não andamos no meio do tráfego. Assim, não somos irremediavelmente prisioneiros da linguagem. Navegamos o mundo usando os mesmos princípios encapsulados no método científico ao continuamente tomarmos decisões sobre nossas percepções segundo as regras da testagem e refutação indutiva/dedutiva de hipóteses (Fox, 1997, p. 341). A ciência faz isso de modo mais sistemático e com mais rigor. Como o filósofo Karl Popper (1972) colocou as coisas, ciência é senso comum esclarecido. A ciência é um empreendimento humano que gera entendimentos aproximados em termos humanos sobre “algo” (chame de “realidade”, de mundo empírico ou do que for) que parece existir independentemente de nosso aparato perceptual e cognitivo, em vez de ser gerado por ele (veja Lett, 1986; 1997). Os pós-modernistas deixaram esse “algo” de fora da sua equação epistemológica. Para eles, tudo se trava de linguagem e de redes linguísticas que formam prisões perceptuais das quais não há escapatória. No entanto, esses escritores acreditavam possuir a perícia para revelar os códigos ocultos do poder ao olharem para aspectos aparentemente desimportantes da linguagem, como “tropos”, estratégias retóricas e instrumentos figurativos que se encontram invisíveis a analistas convencionais e até aos autores desses textos.
Ironicamente, dado que esse empreendimento se tratava de igualitarismo epistemológico e dignidade humana, aqueles que não aceitavam as premissas pós-modernas eram taxados de racistas, sexistas, direitistas, opressores, colonialistas e instrumentos de uma visão de mundo materialista defunta (os termos de opróbrio eram sem fim). Nos salões da academia americana, o pós-modernismo adquiriu um autoritarismo aterrador parecido com a religião, incluindo pretensos messias, acólitos apaixonados, textos e mantras sagrados, palavras de tabu e injunções morais.
A perspectiva anticiência pós-moderna teve vários defeitos inerentes que tanto garantiram o seu derradeiro fracasso quanto lamentavelmente tornaram seus proponentes inteiramente irrelevantes como força política no presente. Primeiro, ela confundiu a autoridade da ciência com a autoridade da pessoa que comunica o conhecimento científico. Na ciência, o árbitro supremo são as evidências; é a gravidade — não o cientista afirmando que uma maçã irá despencar ao chão — que é a condição definidora do conhecimento no fim das contas. É triste que os escritores relativistas anticiência continuem confusos sobre essa questão (p. ex., Herzfeld, 2017). É uma gafe epistemológica confundir as asserções de fatos (p. ex., as palavras usadas para descrever a gravidade) com os próprios fatos (que maçãs caem de árvores) enquanto aspectos do mundo externo que existem não importa como saibamos ou quais palavras utilizemos para escrever sobre eles. Ao tomar essa posição, os pós-modernistas transformaram a posição razoável de que “os fatos não falam por si próprios” na conclusão absurda de que “não há fatos” e que nenhum conhecimento do mundo empírico é possível, o que é um grosseiro non sequitur (Spaulding, 1988, p. 264).
Segundo, a perspectiva pós-moderna era autocontraditória porque afirmava que todas as verdades são relativas a classes, gêneros, etnias e matrizes culturais, mas excluía a si mesma das limitações da cultura, da história e do contexto (Sidky 2004, p. 399). Schick e Vaughn (2014, pp. 311–312) colocaram assim as coisas:
Dizer que tudo é relativo é dizer que nenhuma generalização universal irrestrita é verdadeira (uma generalização universal irrestrita é uma declaração no sentido em que algo se aplica a todos os indivíduos, sociedades ou esquemas conceituais). Mas a própria declaração de que “Nenhuma generalização universal irrestrita é verdadeira” é uma generalização universal irrestrita. Logo, se o relativismo em qualquer de suas formas é verdadeiro, ele é falso.
Terceiro, não há regras específicas para extrairmos códigos de poder e significações criptografadas de textos. Leitura cautelosa não realiza a tarefa. Como proceder, então? Surpreendentemente, a resposta era através de meios subjetivos, fazendo-se uso das categorias morais pessoais e frequentemente simplificadas demais dos estudiosos pós-modernos, que consistiam em exploração versus resistência, com a verdade sendo misturada com o “bem” fornecido pelas sensibilidades moralistas do analista, e também sendo ajustado a elas (Sahlins, 1999). Esse empreendimento não se tratava da descoberta de novo conhecimento, pois o próprio ou a própria analista providenciava a “verdade” (Salzman, 2001, p. 136). Esses escritores professavam um desejo santarrão de “falar a verdade aos malvados” (Scheper-Hughes, 1995), mas era a sua própria “verdade”, alcançada pelo uso de extraordinárias capacidades e engenhosidades hermenêuticas que atribuíam a si mesmos e negavam a todos os outros (Sidky, 2007, p. 68). No entanto, o seu colossal desacerto foi presumir que os valores políticos e morais que eles promoviam seriam adotados pelos outros na sociedade em geral junto com a sua mensagem anticiência.
Quarto, o discurso pós-moderno se caracterizava por uma ambiguidade estratégica. Era cheio de alusões literárias obscuras, formas retóricas barrocas e jargões artificiais que apenas soam científicos, como “espaço não euclidiano”, “teoria do caos”, “inversão de causa e efeito” e “endorfina da cultura”, que soavam eruditos, mas compunham textos incompreensíveis. De alguma forma, igualava-se ser abstruso a ser profundo (Carneiro, 1995, p. 14). No entanto, a maior parte dos seus brilhantes insights sobre conhecimento e ciência era besteira pura. Acontecia que até proeminentes ícones do movimento não entendiam muito do que se dizia. O físico da Universidade de Nova Iorque Alan Sokal trouxe isso à tona ao enviar uma artigo-paródia repleto de absurdos e non sequiturs flagrantes para o Social Text, um dos periódicos pós-modernos mais prestigiosos. O artigo, com o esplêndido título “Transgressing the Boundaries: Towards a Transformative Hermeneutics of Quantum Gravity” [Transgredindo as Fronteiras: em Direção a uma Hermenêutica Transformadora da Gravidade Quântica], foi aceito e publicado numa edição especial, chamada “Guerras da Ciência”, dedicada a refutar as críticas ao pós-modernismo. Quando Sokal revelou o embuste, os sábios pós-modernos constrangidos reagiram com indignação, hostilidade e as únicas armas que tinham: dois pesos e duas medidas, racionalizações capciosas e ataques pessoais (p. ex., Robbins and Ross, 2000). O embuste revelou a verdadeira natureza obscurantista e absurda do discurso pós-moderno. Em seu livro Imposturas Intelectuais, Sokal e Bricmont (1998, p. 207) fizeram a seguinte observação sobre os efeitos do pós-modernismo: “os discursos deliberadamente obscuros do pós-modernismo, e a desonestidade intelectual que ele gera, intoxicam uma parte da vida intelectual e fortalecem o anti-intelectualismo simplista que já está difundido demais no público geral.”
Por quarenta anos, os sábios pós-modernos em universidades por todo o país doutrinaram estudantes com a sua confusão anticiência (Otto, 2016, p. 198). O substituto que eles ofereceram foi o relativismo epistemológico como o caminho para se estabelecer uma sociedade genuinamente justa e tolerante, aberta a diversas perspectivas. Na época, poucos desses estudiosos consideraram as implicações reais do seu esforço para desqualificar as evidências empíricas objetivas como o fundamento para avaliarmos alegações de conhecimento e políticas públicas. No entanto, os estudiosos com mentalidade científica não estavam tão distraídos. Como Sokal e Bricmont (1998, 209) salientaram: “Se todos os discursos são meramente ‘histórias’ ou ‘narrativas’ e nenhuma é mais objetiva ou veraz que outra, devemos aceitar que os piores preconceitos sexistas e racistas e as teorias socioeconômicas mais reacionárias são ‘igualmente válidos’.”
Muitos daqueles doutrinados na anticiência pós-moderna seguiram em frente e se tornaram líderes religiosos e políticos, elaboradores de políticas, jornalistas, editores de jornais, juízes, advogados e membros da câmara municipal e do conselho escolar conservadores. Lamentavelmente, eles se esqueceram dos nobres ideais dos seus mestres, exceto que a ciência é fajuta (Otto, 2016, p. 199). Assim, vastos quadros de pessoas com pouco interesse na mensagem do multiculturalismo e do igualitarismo epistemológico cooptaram a lição central do pós-modernismo de que a verdade é o que queremos que ela seja para afirmar a legitimidade dos seus dogmas autoritários, irracionalismo e asneiras. Até alguns filósofos anticiência radicais agora reconhecem as consequências desagradáveis do seu empreendimento intelectual imprudente. Como o renomado “sociólogo da ciência” pós-moderno Bruno Latour (2004, p. 227) colocou as coisas:
(…) programas de doutorado inteiros ainda estão funcionando para garantir que jovens americanos aprendam (…) que fatos são inventados, que não existe esse negócio de acesso natural, não mediado e sem vieses à verdade, que somos sempre prisioneiros da linguagem, que sempre falamos a partir de uma perspectiva particular, e assim por diante, enquanto extremistas perigosos estão usando o mesmo argumento de construção social para destruir evidências conquistadas a duras penas que poderiam salvar nossas vidas.
Latour, há de se admitir, atualmente vai ainda mais além no reconhecimento do dano que a crítica à ciência causou. Conforme observado na edição de março/abril de 2018 da Skeptical Inquirer, Latour, numa entrevista recente para a Science (de Vrieze, 2017), disse que as críticas à ciência criaram a base para o pensamento anticientífico e ele agora deseja ajudar a reconstruir a confiança na ciência.
Os efeitos de tudo isso na mídia e na política atuais são alarmantes. O jornalismo gonzo1 se tornou generalizado, e poucos na profissão consideram falar a verdade aos poderosos, ou sequer a objetividade na reportagem, como parte das suas responsabilidades (Otto, 2016, pp. 23, 129, 200). Nesse clima intelectual, políticos pretensiosos e completamente desqualificados ostentam flagrantemente opiniões sobre questões que variam de vacinas, reprodução humana, pesquisas em células-tronco, as origens da Terra e a evolução humana até o estado da biosfera, que são contrárias a evidências científicas e históricas esmagadoras. Nessas circunstâncias culturais, instituições de ensino superior têm se tornado cidadelas sitiadas num vasto oceano de irracionalidade expressa com bravata e soberba, um efeito reativo que é em parte a criação dos próprios acadêmicos pós-modernos. O encorajamento da xenofobia, as minorias étnicas sendo feitas de bode expiatório por mazelas sociais, além do racismo e intolerância flagrantes, substituíram o politicamente correto, a civilidade e a sensibilidade cultural. No mesmo contexto, prosperam os equivalentes não acadêmicos do pós-modernismo: pseudociência, vidência, astrologia e religiões paranormais (veja Sokal, 2008, pp. 263–370).
Há também os negadores das mudanças climáticas, os oximorônicos criacionistas científicos, os proponentes do design inteligente e multidões de fundamentalistas religiosos audazes e intolerantes. Esses ideólogos, junto com seus aliados supremacistas brancos determinados a tornar a América branca de novo, assumiram com força total o controle da arena política e estão buscando estabelecer a teocracia de Jesus (veja Blaker, 2003; Hedges, 2006; Sharlet, 2010; Stenger, 2003, p. 10). Aproveitando-se dessas circunstâncias, indústrias agroquímicas e de extração de energia sedentas por lucro, buscando se desviar de regulamentações relativas a segurança e ao meio ambiente e comprometer a elaboração de políticas públicas baseadas em evidências científicas, formaram uma “profana aliança” com as igrejas fundamentalistas apresentando uma frente unificada contra a ciência e a racionalidade (Sokal, 2008, p. xv).
Assim, durante a segunda década do século XXI, não é a visão iluminista baseada na racionalidade e na ciência, mas sim o sobrenaturalismo, o anti-intelectualismo e o obscurantismo o que compõe as forças mais potentes na vida privada e nacional dos Estados Unidos. Esses acontecimentos são espantosos num país historicamente conhecido pelo secularismo, a separação entre igreja e estado, inovações tecnológicas movidas pela ciência e o rejubilado ideal de que políticas públicas devem recorrer a evidências científicas em vez de apelar à emoção, dogmas religiosos ou autoridade. Essa foi a visão prezada e adotada por figuras fundadoras desta nação como Thomas Paine, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin.
O ataque pós-moderno à ciência e o seu relativismo nos deixou vulneráveis aos absurdos dos defensores do sobrenaturalismo, à enganação dos charlatães e ao fanatismo dos fascistas religiosos e aspirantes a ditadores. A história ensina que sempre e onde quer que o irracionalismo e o relativismo adquiriu força política, sofrimento humano, violência, opressão e vidas perdidas inevitavelmente decorreram. O exemplo da Alemanha nazista bastará aqui. Bem-vindo ao mundo pós-moderno(?).
Será que a visão pós-moderna do conhecimento representa “a reestruturação dos próprios princípios da perspectiva intelectual” (Herzfeld, 2001, pp. x, 2, 5, 9, 22), como colocou um antropólogo apaixonado? Não. O que os sábios pós-modernos ofereceram foi desinformação e um empreendimento intelectualmente desonesto que nada realizou além de desconcertar o público americano sobre o papel e a função da ciência. Estamos justificados em abandonar a ciência em favor às alternativas propostas pelos fomentadores do sobrenaturalismo e outros obscurantismos? Não.
Como Albert Einstein colocou, a ciência é uma das coisas mais preciosas que temos. É valiosa não porque garante verdades absolutas livres de vieses, erros e enganos, mas porque é um método único de autocorreção para reduzir vieses, equívocos e fraudes a fim de fazer progredir o nosso entendimento do mundo social e natural e do universo. A ciência “é a língua que todos podem usar, compartilhar e aprender”, como observou o antropólogo Robin Fox (1992, p. 49), e “os desventurados da Terra desejam ciência e os benefícios da ciência. Negar-lhes isso é outro tipo de racismo.” Entre todos os modos de saber já inventados, só a ciência se esforça para combater os nossos vieses de confirmação ao exigir que os praticantes questionem as suas premissas e exponham sistematicamente as suas conclusões à inspeção de descrentes antipáticos (Harris, 1979, p. 27). O distintivo da ciência é a questão: “Quais são as evidências?” O distintivo das perspectivas alternativas promovidas pelos nossos “aiatolás nacionais” e gurus obscurantistas é “Eu quero crer” (Harris, 1987, p. 14). A ciência continua sendo o nosso único caminho em direção a “pensar direito sobre o mundo”, que é algo urgentemente necessário nesta conjuntura histórica decisiva conforme o irracionalismo e o fanatismo vão “borbulhando ao nosso redor” (Gilovich, 1993; Sagan, 1996, p. 27).
Reconhecimentos
Agradeço ao Dr. Lawrence Kuznar (Departamento de Antropologia, Universidade de Indiana-Purdue, Fort Wayne, Indiana) e Raymond Scupin (Departamento de Antropologia e Sociologia, Universidade Lindenwood, St. Charles, Missouri) por lerem este artigo e por seus vários comentários e sugestões. Eu sozinho assumo a responsabilidade pelas opiniões expressas neste ensaio.
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- NT: o jornalismo gonzo é um estilo de jornalismo que abandona pretensões de objetividade, em que o repórter frequentemente se insere na própria história, fazendo uma narrativa em primeira pessoa. ↩︎