Resumo
Alguns sistemas de crenças postulam agentes inteligentes que evadem a detecção deliberadamente, e assim sabotam qualquer possível investigação sobre a sua existência. Esses sistemas de crenças têm a extraordinária característica de que preveem uma ausência de evidências a seu favor, e até a descoberta de contraevidências. Tais “buracos negros epistêmicos”, como os chamamos, ocorrem em diferentes roupagens e em diferentes domínios: história, psicologia, religião. Por causa da sua subdeterminação radical pelas evidências, e da sua extrema resiliência às contraevidências, eles se desenvolvem e evoluem de certos modos previsíveis. Iluminar o modo como buracos negors epistêmicos funcionam pode nos proteger do seu fascínio.
Palavras-Chave: sistemas de crença; irracionalidade, teoria da conspiração; epistemologia; evolução cultural; religião; psicanálise; crenças em bruxaria
1. Introdução
“Crer apaixonadamente no que palpavelmente não é verdade”, escreveu o ensaísta americano H. L. Mencken, é a “principal ocupação da humanidade”. Menken estava claramente exagerando o caso, visto que humanos são em grande parte criaturas racionais e, na maior parte, as nossas crenças são ao menos aproximadamente verdadeiras (Mercier, 2020; Pinker, 2021). Mas o sentimento de Menken é compreensível. Aqui está uma amostra de algumas crenças extremamente implausíveis e infundadas que são endossadas por muitas pessoas aparentemente sãs e racionais mesmo na era da ciência moderna: a aterrissagem na Lua nunca aconteceu, mas foi encenada num estúdio de Hollywood; visitantes extraterrestres abduziram pessoas adormecidas e fizeram experimentos sexuais nelas; os ataques de 11/9 foram um serviço interno efetuado pelo governo Bush; todas as criaturas vivas foram criadas em sua forma atual alguns milhares de anos atrás; o mundo é governado secretamente por uma pequena facção de pedófilos adoradores de Satanás que administram um círculo global de tráfico sexual infantil a partir da Pizzaria Comet Ping Pong em Washington (ou por uma super-raça de seres reptilianos extraterrestres); as vacinas contra a COVID-19 contêm microchips de nanotecnologia inventados por Bill Gates num plano de controle mental e dominação mundial; e a Terra é um disco plano rodeado por uma muro de gelo conhecido como “Antártica”.
Mas será que tais crenças são “inverdades palpáveis”? Uma dimensão que continua sendo relativamente não explorada na explicação do sucesso cultural de tais crenças infundadas é o papel da epistemologia, em particular, a estrutura de certas crenças e as relações evidenciais entre elas. Neste artigo, delineamos a existência de “buracos negros epistêmicos”, a saber, sistemas de crenças que se estruturam de tal forma que exercem uma atração excepcionalmente forte sobre crentes incautos, e dos quais é muito difícil escapar, uma vez que um indivíduo cai na sua órbita. O que esses buracos negros epistêmicos têm em comum, argumentaremos, é que envolvem algum tipo de agência intencional (ou um único agente, ou um consórcio de diferentes agentes operando em conjunto) que tentam deliberadamente evadir a detecção e sabotar a nossa investigação sobre a sua existência. Ao traçarmos paralelos entre tais buracos negros epistêmicos numa gama de domínios diferentes, ganhamos mais insight sobre o seu apelo e a sua evolução cultural.
Aqui está o artigo em linhas gerais. Primeiro, apresentamos o delineamento dos buracos negros epistêmicos e explicamos a sua extrema resiliência a evidências adversas e ataques externos (seção 2.1). Em seguida, mostramos que essa estrutura é instanciada por uma gama de diferentes sistemas de crenças, a começar pela mais óbvia aplicação: teorias da conspiração infundadas sobre eventos históricos (2.2). Daí, descrevemos buracos negros epistêmicos no domínio das crenças religiosas: após discutirmos brevemente a tradição do “ocultamento divino” no teísmo (3.2.1), desenvolvemos o estudo de caso das crenças em bruxaria na Europa do início do período moderno (3.2.2). Finalmente, olhamos para um exemplo surpreendente de um buraco negro epistêmico na (pseudo)ciência moderna: a psicanálise freudiana. Na seção 3, fazemos algumas observações sobre o desenvolvimento e dinâmica cultural dos sistemas de crenças do tipo “buraco negro”. Em particular, devido à sua radical subdeterminação pelas evidências, eles são suscetíveis a cismas e desarranjos internos (3.1) e frequentemente evoluem para refletir ambientes culturais cambiantes (3.2).
2. Buracos negros epistêmicos
Se queremos explicar o mundo visível, às vezes temos que invocar a existência de entidades invisíveis. Muitas das nossas melhores teorias científicas envolvem tais “inobserváveis”, entidades e processos que não são (diretamente) observáveis pelos sentidos humanos. Em algumas de nossas explicações teóricas sobre o mundo, também temos que invocar as ações de agentes: entidades inteligentes capazes de abrigar intenções, desenvolver planos ou formar desejos. Em alguns sistemas de crenças, ambos esses elementos são unidos de tal maneira a dar vida a uma situação epistemológica especial: o sistema de crenças postula alguma forma de agência inteligente oculta que deliberadamente tenta escapar da detecção, e assim frustrar a nossa investigação sobre a sua existência ou suas ações. Embora agentes com tais intenções definitivamente existam, e às vezes precisemos invocá-los para fazermos sentido do mundo, tais explicações ameaçam criar o que pode ser chamado de buracos negros epistêmicos, para dentro dos quais buscadores da verdade incautos podem ser sugados, para nunca mais escapar. A metáfora foi introduzida por Stephen Law, que falou de “uma bolha de crenças tal que, embora seja sedutoramente fácil entrar nela, pode ser quase impossível encontrar modos racionais de sair dela novamente” (Law, 2011, p. 9). A metáfora captura a observação de que, quando as pessoas endossam tal sistema de crenças, por qualquer razão que for, pode ser muito difícil livrá-las da sua convicção, visto que agora podem rejeitar por explicação qualquer evidência faltosa ou contrária com que elas sejam confrontadas. A depender dos níveis de poder e inteligência atribuídos à suposta agência inteligente, pode se tornar muito difícil refutar ou criticar tal sistema de crenças. Como veremos, alguns buracos negros epistêmicos envolvem diferentes agentes trabalhando em conjunto, enquanto outros apenas postulam um único agente coeso conspirando atrás das cortinas.
Definidos do modo supracitado, buracos negros epistêmicos podem ser considerados como casos especiais de sistemas de crenças “infalseáveis” (Popper, 1959, 1963/2002). Segundo Karl Popper, toda teoria científica deve excluir certos estados de coisas, de modo que seja suscetível à refutação. Se uma teoria é totalmente infalseável (ou seja, é compatível com todo estado de coisas concebível), ela deve ser considerada pseudocientífica. No entanto, na filosofia da ciência de Popper, a falseabilidade é uma propriedade puramente lógica de uma teoria, que é independente de como os defensores de uma teoria respondem a refutações. Em desenvolvimentos posteriores do falsificacionismo de Popper, como do seu discípulo Imre Lakatos (1970), o foco mudou para o modo como os teóricos modificavam a teoria diante de evidências recalcitrantes. As emendas permitiam previsões inovadoras ou elas eram de natureza puramente ad hoc? Os adeptos da teoria levam as anomalias empíricas a sério ou eles recorrem a certas “estratégias de imunização” para proteger a teoria da refutação (Boudry and Braeckman 2011)? A abordagem atual dos “buracos negros epistêmicos” também situa o problema no nível do modo como os crentes lidam com evidências recalcitrantes. Como veremos, nada há de especialmente problemático a respeito de postular agentes invisíveis, até agentes invisíveis que querem escapar da detecção. O problema é que uma teoria que postula tais agentes naturalmente gerará modificações e emendas que a mantêm para sempre fora do alcance da refutação, assim abrindo um buraco negro epistêmico. Nem é sequer claro que tais modificações são ‘ad hoc’, visto que decorrem das premissas centrais do sistema de crenças. Tais buracos epistêmicos desenvolvem-se e evoluem de modos análogos, e compreender esses mecanismos pode ajudar a nos proteger do seu fascínio.
3. Estudos de caso
3.1. Teorias da conspiração infundadas
Se definimos uma “teoria da conspiração” como uma explicação teórica da história (ou eventos recentes) que envolve as ações de um pequeno grupo de pessoas operando por trás das cortinas, geralmente com intenções nefastas ou criminosas, então é claro que nem todas as teorias da conspiração são irracionais. As páginas da história estão repletas de tramas e conspirações bem documentadas (p. ex., o escândalo Watergate, o assassinato de Júlio César, a Revolução de Outubro, os Processos de Moscou), e pode ter havido outras que não revelamos ainda.
No entanto, em alguns casos, teorias sobre tramas ocultas adotam os contornos de um buraco negro epistêmico. Se postulamos um agente inteligente operando por trás das cortinas para encobrir as evidências da sua existência, torna-se possível sustentar tais crenças na total ausência de qualquer evidência e interpretar qualquer contraevidência em termos de supostas conspirações. Esse é o caso de muitas teorias da conspiração populares sobre importantes eventos mundiais, como a crença de que a aterrissagem na Lua foi encenada num estúdio de Hollywood, que o 11/9 foi um serviço interno perpetrado pelo governo Bush, que Lee Harvey Oswald foi só um bode expiatório numa trama maior contra John F. Kennedy, ou que o tiroteio na escola de Sandy Hook foi encenado com atores pagos como parte de uma campanha pelo controle de armas. Também se aplica a visões de mundo conspiratórias mais amplas que explicam todos ou a maioria dos eventos históricos como resultantes das intenções de uma pequena facção de atores invisíveis, como os Sábios do Sião, os Rothschilds ou os Illuminati.
Não é difícil ver como tais crenças conspiracionistas abrem um buraco negro epistêmico. Está na natureza das crenças conspiracionistas que conspiradores queiram permanecer ocultos e possam até ativamente sabotar a nossa investigação sobre os seus planos nefastos. Presumindo que a conspiração seja real, nós, portanto, temos alguma razão para esperar uma ausência de evidências a seu favor, e podemos até esperar encontrar aparentes contraevidências, fabricadas pelos conspiradores para nos despistarem (Clarke, 2002; Keeley, 1999)1. A depender de quão poderosos e espertos são os acusados, pode se tornar muito difícil refutar definitivamente uma teoria da conspiração. Por sua própria natureza, teorias da conspiração têm uma “elaborada estrutura de apoio de hipóteses auxiliares” (Gershman, 2019, p. 22) que lhes permite ignorar por explicação praticamente qualquer evidência conflitante.
Alguns filósofos argumentaram que o critério da “infalseabilidade” (Popper, 1963/2002, 1959) é inapropriado para avaliar teorias da conspiração. Por exemplo, Brian Keeley escreveu que a “infalseabilidade só é um critério razoável em casos em que não temos razão para crer que há agentes poderosos buscando afastar a nossa investigação da verdade da questão” (Keeley, 1999, p. 121). O problema é que isentar um sistema de crenças do critério da falseabilidade dessa forma é exatamente o que ameaça abrir um buraco negro epistêmico. Como veremos abaixo (4.1), isso é de fato problemático, visto que gera um problema de arbitrariedade e subdeterminação radical.
Como distinguimos entre hipóteses legítimas sobre conspirações, por um lado, e buracos negros epistêmicos, por outro? Na física, o “horizonte de eventos” é a fronteira em torno de um buraco negro além da qual nada pode escapar. Embora não haja nenhum “horizonte” nítido equivalente no domínio da teorização conspiracionista, um sinal revelador de buracos negros epistêmicos é que eles têm uma tendência a crescer em tamanho e elaboração com o tempo. Para ignorar por explicação evidências faltosas ou aparentes contraevidências, os teóricos da conspiração são forçados ou a ampliar o círculo dos conspiradores, ou a atribuir cada vez mais poder e artimanha a eles (Keeley, 1999; Clarke, 2002; Boudry, 2022; Shermer, 2022). Como resultado, quando investigadores céticos revelam evidências contra as hipóteses de uma conspiração, isso é frequentemente interpretado pelos crentes como evidência de uma trama ainda maior.
Por exemplo, o documento mais infame na história das teorias da conspiração, que foi usado pelos nazistas como “justificativa para genocídio” (Cohn, 1967), é conhecido como Os Protocolos dos Sábios de Sião. Na realidade, o documento é uma falsificação originária da Rússia czarista do século XIX e foi exposta como tal muito antes que o partido nazista e diversos movimentos antissemitas por toda a Europa começassem a promover o documento como evidência de uma conspiração global da comunidade judia internacional. O interessante é que, quando fortes evidências da falsificação foram reveladas, segundo o historiador Jovan Byford, “muitos dos admiradores do livro simplesmente ignoraram a informação como uma campanha dos judeus para comprometer o documento ‘vazado’ que expõe tão claramente o seu sinistro segredo” (2011, p. 55). Embora o raciocínio pareça uma petição de princípio, faz bastante sentido da perspectiva da teoria da conspiração. Se os Protocolos fossem um documento autêntico e os Sábios de Sião conforme lá retratados realmente existissem, esperaríamos que eles dissimulassem as evidências para os seus planos secretos. Como a introdução de 1905 aos Protocolos já observou, não deveríamos ser ludibriados pelo fato de que nenhuma testemunha se apresentou para confirmar a realidade da organização e seus planos maléficos. De fato, tal ausência de evidências é exatamente o que deveríamos esperar:
se fosse possível provar essa conspiração mundial por meio de cartas ou declarações de testemunhas, […] os “mistérios da iniquidade” seriam violados por esse próprio fato. Para provar a si mesma, ela deve permancer intocada até o dia da sua encarnação no “filho da perdição” […]. (Nilus, 2009, p. iv.)
Até hoje, um século inteiro após terem sido desmistificados, os Protocolos ainda são regularmente reimpressos, disseminados e discutidos como um documento autêntico, agora predominantemente no mundo islâmico, mas também em outros lugares2.
Uma lógica autoisolante semelhante pode ser observada com muitas outras teorias da conspiração populares. Quando a Comissão do governo dos EUA sobre o 11/9 publicou o seu relatório final de 585 páginas em 2002, revisando meio milhão de documentos e detalhando a responsabilidade da Al Qaeda e os fracassos das agências de inteligência dos EUA em detalhes excruciantes, os teóricos da conspiração pouco impressionados ficaram. Afinal, se o próprio governo dos EUA tivesse encenado o ataque como uma operação de bandeira falsa, a fim de criar um pretexto para invadir o Iraque e o Afeganistão, esperaríamos que eles fabricassem um relatório fraudulento cheio de falsas evidências e distorções.
Uma teoria da conspiração sobre um evento histórico específico (como o 11/9 ou o assassinato de JFK) pode degenerar num buraco negro epistêmico quando acaba atribuindo poderes e inteligência sobrehumanos a alguns conspiradores ocultos trabalhando por trás das cortinas. Mas, num sentido mais geral, a teorização conspiratória funciona como um buraco negro. A pesquisa empírica mostra que o melhor preditor da crença em qualquer dada teoria da conspiração (infundada) é a crença em outras teorias da conspiração. Novamente, isso não é irrazoável. Se você vem a crer que “eles” nos enganaram sistematicamente sobre um evento histórico, torna-se mais plausível suspeitar de enganações semelhantes por trás de outros eventos históricos. Por exemplo, se o governo dos EUA seria capaz de executar uma operação de bandeira falsa como os ataques de 11/9, não seria razoável suspeitar que outros tais ataques terroristas são similarmente encenados? Goertzel (1994) propôs que o pensamento conspiracionista forma um “sistema de crenças monológico”, no qual todas as crenças reforçam umas às outras num sistema autoisolante (Swami et al., 2011). Embora evidências recentes tenham posto em dúvida o caráter “monológico” do pensamento conspiracionista, antes sugerindo que teorias da conspiração específicas se agrupam ao longo de divisores partidários e ideológicos (Enders et al., 2021), ainda é verdade que uma rede de teorias da conspiração podem se reforçar em conjunto. A metáfora de um buraco negro epistêmico parece especialmente pertinente em situações em que crenças conspiratórias mais razoáveis funcionam como “portais” para crenças conpiratórias mais escabrosas (Shermer, 2022).
Em suma, crentes em conspirações podem acabar presos num labirinto do qual é quase impossível escapar. Isso não é por causa de nenhum defeito psicológico da parte dos teóricos da conspiração (embora isso certamente também tenha um papel), mas por causa da própria estrutura do sistema de crenças dentro do qual eles raciocinam.
3.2. Religião e buracos negros sobrenaturais
3.2.1. Ocultamento divino
Algumas teorias da conspiração populares sobre a história têm a ver com visitantes extraterrestres ou com agentes sobrenaturais como os proclamados culpados, mas essas são predominantemente crenças conspiratórias minoritárias. A maioria das teorias da conspiração populares sobre eventos históricos implicam agentes humanos comuns, embora talvez agentes com poderes políticos incomuns ou malícia excepcional.
No entanto, o domínio da religião e das crenças sobrenaturais oferece um grande conjunto de agentes sobrenaturais que supostamente operam por trás das cortinas e interferem nas evidências sobre a sua própria existência, assim potencialmente abrindo buracos negros epistêmicos. Tais sistemas de crenças não são necessariamente “conspirações” no sentido estrito do termo. Notadamente, nas fés monoteístas do cristianismo e do islã, os crentes imaginam um agente único e unificado operando por trás das cortinas, sem mais ninguém para conspirar consigo (embora devamos observar que religiões monoteístas em nome frequentemente não são estritamente monoteístas na prática, visto que incluem uma gama de criaturas sobrenaturais inferiores como anjos, demônios, santos ou espíritos (Barrett, 1999)).
Deixando de lado tais complicações, ainda é notável que importantes vertentes dentro de tradições monoteístas concebam Deus como secretamente operando por trás das cortinas, até encobrindo as evidências sobre a sua própria existência. Na Bíblia, por exemplo, Deus às vezes é retratado como escondendo-se deliberadamente dos seres humanos, como nesta queixa do Livro de Isaías: “Verdadeiramente tu és um Deus que te ocultas” (Isaías, 45:15). Muitos cristãos creem que, após criar o universo, Deus, em grande medida, retirou-se do mundo. Essa concepção de Deus, que é conhecida como deus absconditus ou o problema do ocultamento divino (Schellenberg, 2006), é um tema recorrente na tradição cristã (Philipse, 2012, p. 302-9). Deus parece ser não apenas invisível aos sentidos humanos – o que é compreensível, dado que ele é imaterial e incorpóreo –, mas também permanece elusivo até àqueles que ativamente o buscam.
Teólogos e crentes comuns desenvolveram diferentes justificativas para o ocultamento divino, sendo a mais dominante a de que ele é um teste de fé (Schellenberg, 2006; Murray, 1993). Se Deus se revelasse para todo o mundo ver, seria demasiadamente fácil acreditar na sua existência. Mas permanecendo fora de vista e deixando inconclusivas ou ambíguas as evidências para a sua existência, Deus pode separar os descrentes e céticos daqueles que têm a fé verdadeira. Ideias semelhantes podem ser encontradas no Corão, onde Deus explica em algum ponto que, embora ele geralmente apoie a comunidade dos crentes justos na sua luta contra os infiéis, ele nem sempre lhes concederá a vitória no campo de batalha. Ele antes permitirá algumas derrotas e reveses ocasionais, a fim de testar a força da sua fé3. Uma resposta relacionada ao problema do ocultamento divino é que Deus quer nos dar um livre-arbítrio moralmente significativo, e que revelar-se de qualquer modo manifesto removeria essa liberdade (Swinburne, 2004). Seja qual for o fundamento do ocultamento divino, ele resulta é numa forma de enganação divina (Nieminen et al., 2017): Deus poderia se revelar claramente para nós, ou pelo menos deixar evidências para a sua existência, mas ele decidiu ficar fora de vista e até encobrir os seus rastros.
À luz dessas características, vários autores recentemente salientaram as semelhanças epistemológicas entre o teísmo e teorias da conspiração (Edis, 2019; Keeley, 2007). Falando estritamente, como mencionamos, o monoteísmo não pode ser uma teoria da conspiração porque, por definição, Deus não tem ninguém com quem conspirar. No entanto, a noção de um ser divino deliberadamente encobrindo os traços da sua própria existência mostra, sim, um parentesco com teorias da conspiração. A principal diferença, como Keeley (2007) argumentou, é que Deus não tem “nenhuma necessidade de conspirar com ninguém para ocasionar a Providência segundo os Seus desejos” (Keeley, 2007, p. 140), pois ele, por definição, tudo pode e tudo sabe. Somente humanos falíveis precisam colaborar com outrem para executar formas elaboradas e complexas de enganação. Visto que Deus é considerado onipotente, o seu véu de sigilo e disfarce pode ser ainda mais infalível do que aqueles de conspiradores mortais. Em vez de chamar a teoria teísta do ocultamento divino de “teoria da conspiração” – que seria uma contradição de termos falando estritamente –, sugerimos que seja mais útil considerar os dois tipos de sistemas de crenças como buracos negros epistêmicos, nos quais uma forma inteligente de agência tenta deliberadamente encobrir as evidências da sua existência.
No entanto, devemos observar que o conceito de enganação divina e suas justificativas relacionadas continuam sendo controversos. Embora esteja presente em algumas vertentes do cristianismo e do islã, há também uma longa tradição de argumentos religiosos no sentido de que Deus deixou as evidências da sua existência ao nosso redor, pelo menos para aqueles dispostos a enxergar (Philipse, 2012). Nessa concepção, Deus quer ser conhecido pelas suas criaturas e realmente está se revelando para nós, embora talvez não de uma maneira livre de ambiguidades e testável que pudesse resolver todas as disputas religiosas de uma vez por todas (Boudry and De Smedt, 2011).
Para os propósitos deste artigo, queremos nos voltar agora para um estudo de caso histórico e mais específico de um buraco negro epistêmico dentro da tradição cristã: as caças às bruxas na Europa do início da era moderna.
3.2.2. O conceito cumulativo da bruxaria
Na Europa no início do período moderno, havia uma crença generalizada entre comunidades cristãs de que em seu meio viviam “bruxas”, outros seres humanos que estavam em aliança com o Diabo e que usavam poderes mágicos para destruir colheitas, espalhando doenças ou causando outras desordens. Em muitas versões do sistema de crenças, havia uma “conspiração”, no sentido literal da palavra, na forma de um sabá das bruxas, reuniões noturnas nas quais bruxas de toda a região associavam-se e adoravam o Diabo, tramando planos malignos para semear o caos em comunidades humanas. Satanás certamente tentava seduzir as pessoas para entrarem na sua sinistra aliança, especialmente através de relações sexuais. Pensava-se que as mulheres eram mais dadas a cair nessa tentação do que os homens, de modo que de 75 a 80 por cento das vítimas dos julgamentos de bruxas foram mulheres. As estimativas variam, mas provavelmente até 50.000 ou 60.000 pessoas foram executadas no total (Goodare, 2016; Hofhuis, 2022; Levack, 2016).
Apesar da magnitude de algumas das caças às bruxas e do fervor dos caçadores, até na época também havia um ceticismo difundido sobre a culpa dos executados, bem como sobre a existência dessa seita diabólica para princípio de conversa. Aos olhos dos céticos, as evidências para os crimes específicos das bruxas acusadas eram frequentemente insuficientes. No entanto, a doutrina da bruxaria era adaptada engenhosamente para afugentar tais críticas. Pensava-se ser uma característica essencial da conspiração da bruxaria a ideia de que o Diabo, seus demônios e suas bruxas ocultavam continuamente as evidências da sua prevaricação. Os crimes cruciais, como o uso de magia maléfica e a participação em sabás, normalmente ocorriam todos enquanto ninguém estava olhando. “Muito está oculto, abaixo da superfície e secreto”, escreveu um contemporâneo (Anonymous of 2016, p. 28). Demônios eram anjos caídos, de modo que ainda possuíam muitos poderes sobrenaturais para criar ilusões para enganar as pessoas (Goodare, 2016; Levack, 2016). Durante as investigações sobre bruxaria, isso implicava que qualquer contraevidência sempre poderia ser interpretada como o artifício de demônios, e qualquer evento concebível poderia ser interpretado como mais confirmação de que os acusadores estavam bem em cima da rede da bruxaria.
Por exemplo, maridos de mulheres acusadas frequentemente protestavam que as suas esposas não poderiam ter frequentado nenhum sabá à noite, pois as haviam visto dormindo ao seu lado na cama. Mas aqui os caçadores de bruxas replicavam que os demônios devem ter criado uma ilusão que fez parecer que as esposas estavam decentemente dormindo em casa, enquanto seus corpos reais estavam em outro lugar (Hofhuis, 2022, p. 157; Del Rio and Maxwell-Stuart, 2000, p. 91-2; Remy, 2014, p. 43-4). O interrogatório de testemunhas suspeitas também expõe a lógica do “cara eu ganho, coroa você perde”. Se tormentos físicos – frequentemente utilizados nos julgamentos das bruxas – faziam os suspeitos confessar rapidamente, era demonstração de que eram culpados. Mas se não confessavam imediatamente, isso era frequentemente explicado como a obra de demônios astutamente ajudando os suspeitos na sua capacidade de aguentar a tortura, assim também indicando a culpa (Roper, 2004, p. 47; Krause, 2015, p. 26). Se o acusado respondia emotivamente, julgava-se muito suspeito. Mas se não respondia emotivamente o bastante, era igualmente suspeito, visto que sugeria uma personalidade maligna ou, novamente, um apoio demoníaco (Ostling and Kounine, 2016, p. 3-4). Provavelmente as mais duvidosas de todas eram as pessoas que desaprovavam as caças às bruxas e se mostravam indispostas a cooperar. Será que essas próprias pessoas não eram bruxas, ou pelo menos vítimas de delírios demoníacos? (Hofhuis, 2022, p. 159; Rio & Maxwell-Stuart, 2000, pp. 203–206).
Não só estavam os demônios escondendo todas as evidências; os caçadores de bruxas também criam que Deus e seus anjos garantiam que nenhuma pessoa inocente estava sendo prejudicada. Os céticos reclamavam que fofocas comuns, que frequentemente davam início a suspeitas contra pessoas específicas, poderiam também implicar pessoas perfeitamente inocentes. Mas aqui eles eram garantidos que os anjos não permitiriam que isso acontecesse (Institoris, 2017, p. 358). Similarmente, os críticos podiam se perguntar se o uso da tortura não estimulava falsas confissões e denúncias, mas os caçadores de bruxas respondiam que Deus em pessoa proibiria isso (Binsfeld, 1590, pp. 142–147; Hofhuis, 2022, p. 159).4
Quando as pessoas haviam absorvido plenamente esse sistema de crenças, tornou-se difícil não enxergar infortúnios incomuns à luz da bruxaria e não interpretar outros eventos como confirmações adicionais. Como o médico do século XVI e cético sobre a caça às bruxas neerlando-alemão Johann Weyer colocou as coisas: “Seguramente, em questões que admitem pouca certeza, os menos cautelosos não estariam então, de um único erro, caindo em mil, como se estivessem presos num inextricável labirinto no qual nenhum modo de escapar, nenhuma saída, pode-se ver” (Weyer 1998, 522). É difícil pensar numa descrição mais eloquente de como se parece um buraco negro epistêmico.
3.3. Psicanálise freudiana
Um exemplo final e surpreendente de buraco negro epistêmico pode ser encontrado na psicanálise freudiana (Cioffi, 1998; Farrell, 1996). Na versão original de Freud da teoria, o “inconsciente” psicanalítico é retratado como uma entidade inteligente capaz de buscar objetivos intencionais, sendo o principal entre eles o desejo de permanecer oculto e ativamente resistir à investigação do terapeuta. Nas obras mais famosas de Freud, como A Interpretação dos Sonhos e Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana (Freud 1953, 1960), confrontamos resmas de exemplos nos quais o inconsciente emprega disfarces astutos para escapar da detecção, como simbolismos, negações, inversões e trocadilhos. E seu perceptivo livro The Psychoanalytic Movement [O Movimento Psicanalítico], Ernest Gellner chamou ao inconsciente de Freud “O Trapaceiro”, um agente intencional que “pode e faz interferir nas evidências comportamentais sobre a sua própria existência e atividades” (Gellner, 1985, p. 142). Na teoria de Freud, o Trapaceiro está sempre tentando enganar o sujeito consciente (e o terapeuta) de modos inesperados e ardilosos. E assim como com muitas teorias da conspiração sobre a história e medos a respeito de bruxaria, as intenções do conspirador podem ser vistas como sinistras e nefastas. Na visão de Freud, o inconsciente abriga desejos e impulsos proibidos relativos a perversão sexual e agressão, o que seria chocante ao sujeito consciente e deve, portanto, ser mantido em segredo.5
Em algumas versões da psicanálise, não há mais um agente único e unificado, mas antes uma interação dinâmica entre múltiplos sistemas mentais, cada qual parecendo ser capaz de ter agência intencional. Em A Interpretação dos Sonhos, Freud descreve a existência de um “mecanismo censor”, que tem de negociar entre o consciente e o inconsciente, disfarçando e criptografando conteúdos mentais que são perturbadores demais para o sujeito consciente encarar. No modelo tripartite da mente posteriormente idealizado por Freud, há uma constante interação ocorrendo entre os três sistemas mentais (Ego, Id, Superego), todos envolvendo-se em estratégias intencionais para atingir seus objetivos, às vezes trabalhando com metas opostas, às vezes colaborando ou chegando a acordos.
Seja como for, por causa da sua epistemologia singular, a psicanálise freudiana tem a mesma qualidade autoisolante que teorias da conspiração populares sobre a história ou o sistema de crenças da bruxaria na Europa do início da era moderna, na qual a ausência de evidência ou aparentes contraevidências sempre poderiam ser interpretadas nos próprios termos da teoria. Quando Freud não conseguia encontrar traços de um complexo patológico ou desejo inconsciente para explicar o comportamento de um paciente, ele não se detia e tratava isso como um sinal de resistência inconsciente. Visto que o inconsciente era motivado a esconder e disfarçar os seus segredos sombrios, não era surpreendente encontrar uma aparente carência de evidências. Segundo a mesma lógica de enganação, aparentes refutações da teoria poderiam ser ignoradas por explicação com igual facilidade. Em sua prática clínica, Freud trabalhou com base no pressuposto de que seus pacientes abrigavam um desejo secreto e inconsciente de refutar as explicações dele, para evitar ter de confrontar desejos recalcados deles. Se um paciente rejeitava as interpretações psicanalíticas dele sobre os sintomas ou sonhos deles, ele interpretava isso como evidência de “resistência” ou “negação”, conforme previsto pela teoria (Cioffi, 1998; Crews, 1986). A resistência inconsciente também poderia se disfarçar na forma de sonhos ou sintomas manifestos. Por exemplo, quando uma paciente de Freud sonhou que foi forçada a passar as festas de fim de ano com a sogra, que ela desprezava, à primeira vista isso parecia desmentir a alegação de Freud de que todo sonho é uma manifestação de uma realização inconsciente de um desejo. Mas como o próprio Freud explicou, a aparente refutação era realmente uma incrível confirmação: “O sonho mostrou que eu estava errado. Assim, era o seu desejo que eu estivesse errado, e o seu sonho mostrou esse desejo realizado” (Freud, 1953, p. 151).
Finalmente, Freud aplicou o mesmo aparato teórico aos seus críticos. Visto que todos nós estamos sob o encanto das forças inconscientes descritas pelos psicanalistas, não era de surpreender que os críticos da psicanálise tentassem refutar o rebento do seu intelecto. Como explicou Freud:
A psicanálise busca trazer ao reconhecimento consciente as coisas na vida mental que estão recalcadas; e toda pessoa que forma um juízo sobre ela é um ser humano, que possui recalques semelhantes e pode talvez estar guardando-os com dificuldade. Eles [os críticos] estão, portanto, fadados a evocar a mesma resistência em si mesmos que em nossos pacientes; e essa resistência acha fácil disfarçar-se de rejeição intelectual e trazer à tona argumentos como aqueles que afugentamos em nossos pacientes por meio da regra fundamental da psicanálise. (Freud, 1957, p. 39.)
É tentador rejeitar tal raciocínio circular como uma excentricidade pessoal da parte de Freud, mas o “argumento da resistência” foi empunhado por muitos psicanalistas posteriores, contra tanto pacientes quanto críticos da psicanálise. Isso não é de surpreender, pois é, de fato, uma previsão implicada pelos pressupostos centrais da teoria (Borch-Jacobsen and Shamdasani, 2011). Por exemplo, em resposta à série de ensaios críticos de Frederick Crews sobre a psicanálise na New York Review of Books (1995), o filósofo e psicanalista Jonathan Lear sugeriu que o seu ataque devesse ser visto como uma “repetição e reencenação do complexo de Édipo” (Lear, 1995). Similarmente, uma das principais psicanalistas francesas, Élisabeth Roudinesco, opinou que “a hostilidade à teoria freudiana se origina menos na discussão científica do que na resistência dos próprios cientistas aos seus próprios inconscientes” (Roudinesco, 1999, p. 73).6
4. A dinâmica dos buracos negros epistêmicos
4.1. Subdeterminação pelas evidências
Por causa do seu caráter autoisolante, os buracos negros epistêmicos são extremamente resistentes a desafios externos na forma de contraevidências ou questões céticas. No entanto, essa forte resiliência traz consigo uma importante desvantagem: os sistemas de crenças sofrem de uma versão radical da “subdeterminação pelas evidências”. O que isso implica é que as evidências disponíveis não fixam o conteúdo da teoria porque elas são compatíveis com muitas diferentes versões. Logicamente falando, qualquer teoria científica sofre da subdeterminação (Stanford, 2017), mas na ciência há múltiplas maneiras de discriminar racionalmente entre teorias rivais (p. ex., simplicidade, fecundidade, coerência). Além disso, no desenvolvimento de teorias científicas, uma das versões alternativas da teoria pode ser excluída pela próxima evidência. Esse não é o caso dos buracos negros epistêmicos, em que qualquer dada versão da teoria sempre é compatível com qualquer evidência. Na prática, isso significa que os parâmetros livres do sistema de crenças podem ser modificados à vontade.
Por exemplo, para qualquer dado evento histórico, é sempre possível desenvolver múltiplas teorias da conspiração (infundadas) envolvendo diferentes culpados, diferentes objetivos e diferentes esquemas. Um evento como os ataques de 11/9 poderia ser (e foi) interpretado como um serviço interno do governo Bush, ou uma trama do governo saudita, ou do Mossad (o serviço secreto israelense), ou dos judeus de modo mais geral, ou de qualquer grupo de agentes que seja suficientemente poderoso para encobrir seus rastros e fazer como se a Al Qaeda tivesse orquestrado os ataques (na prática, claro, pode haver alguns limites nas respostas à questão cui bono, visto que nem todo o mundo terá um motivo plausível). Quanto ao assassinato de John F. Kennedy, uma pesquisa da Gallup de 2013 perguntou aos respondentes se eles acreditavam que Lee Harvey Oswald agiu sozinho e, caso não, quem realmente estava por trás da trama (Swift, 2013). Os resultados ofertaram uma ampla gama de culpados: a Máfia (13%), o governo federal (13%), a CIA (7%), Cuba e Fidel Castro (5%), o próprio vice-presidente de JFK: Lyndon Johnson (3%), a União Soviética (3%), a Ku Klux Klan (3%), o diretor do FBI J. Edgar Hoover (1%) e vários outros atores. Seguindo a lógica dos buracos negros epistêmicos, é impossível excluir a cumplicidade de qualquer um desses culpados potenciais, contanto que eles tenham sido cautelosos o bastante para encobrir os seus rastros.
Um problema semelhante da subdeterminação também afeta outros parâmetros da conspiração, como o método utilizado pelos conspiradores. A maioria dos teóricos da conspiração do 11/9 creem que as Torres Gêmeas não foram derrubadas pelo impacto e os incêndios resultantes dos aviões, como afirma a versão oficial, mas por algum outro meio. Quanto à natureza precisa do mecanismo, há uma ampla gama de perspectivas conflitantes: alguns suspeitam de um processo de demolição controlada com explosivos convencionais; outros suspeitam do uso de tecnologias exóticas inovadoras como nano-thermite. Alguns chegam a negar que os objetos que atingiram as Torres Gêmeas e o Pentágono eram absolutamente aviões comerciais, dizendo que eram, na verdade, mísseis, aviões militares ou efeitos de computação gráfica ou hologramas (Aaronovitch, 2010)7. Não há nenhum modo racional de discriminar entre tais teorias da conspiração concorrentes, pois todas elas são, por definição, igualmente capazes de explicar as evidências disponíveis. Como Harris (2018, p. 256) recentemente colocou, “qualquer número de explicações conspiratórias se ajustarão aos dados, e assim estarão igualmente sustentadas”.
O problema da subdeterminação pode também ser observado no domínio da religião e da crença sobrenatural. Se presumimos que um ou mais seres sobrenaturais existem, mas estão ativamente se escondendo e resistindo à nossa investigação, a identificação dessas criaturas sobrenaturais e seus atributos torna-se arbitrária numa grande medida. Na filosofia da religião, isso é conhecido como o “problema da diversidade divina” (Basinger, 2011). Muitas culturas idealizaram diferentes sistemas de crenças sobre deidades e outras criaturas sobrenaturais, mas esses sistemas de crenças são com frequência mutuamente contraditórios e não há nenhuma maneira de arbitrar entre eles (Philipse, 2012). Até a escolha entre monoteísmo e politeísmo continua subdeterminada. Há uma única criatura puxando as cordas por trás das cortinas do mundo ou estamos lidando com uma genuína “conspiração” de diferentes deidades tramando em conjunto? Ao defender o ceticismo quanto à religião, Filão expôs esse problema nos Diálogos de David Hume:
Em tais assuntos, quem pode determinar onde está a verdade? Mais ainda, quem pode conjecturar onde está a probabilidade, em meio a um grande número de hipóteses que podem ser propostas e um número maior ainda que pode ser imaginado? […] E qual sombra de argumento, continuou Filão, podes produzir a partir de tuas hipóteses para provar a unidade da Deidade? […] por que não podem várias Deidades combinar-se ao forjar e formar um mundo? (Hume, 1998 [1779], p. 36.)
Dado que criaturas sobrenaturais, supõe-se, possuem poderes que transcendem os dos seres humanos, ou podem até ser onipotentes, é impossível meros mortais descobrirem.
De modo análogo, a psicanálise freudiana também sofre de um problema de subdeterminação radical. Como mostraram Boudry e Buekens (2011), o âmago conceitual da psicanálise fornece um tipo de casco vazio dentro do qual qualquer número de noções teóricas rivais podem ser inseridas. Em particular, ao passo que a teoria original de Freud centrava-se no complexo de Édipo e na noção dos desejos sexuais infantis, teóricos posteriores desenvolveram a teoria em direções extravagantemente divergentes (e frequentemente incompatíveis). A versão de Otto Rank da psicanálise reduz praticamente todo complexo psicológico ao trauma do nascimento recalcado, Alfred Adler revelou a inveja do seio inconsciente como um contraponto à inveja do pênis, Carl Jung desenvolveu a teoria dos arquétipos inconscientes (anima, persona, sombra) e assim por diante (Macmillan, 1997). Como resultado desse problema de subdeterminação, comunidades de crentes são frequentemente afligidas por cismas e dissidências internas. Na ausência de restrições evidenciais para fixarem os parâmetros das explicações conspiratórias, qualquer um pode sempre elaborar uma teoria da conspiração rival que se ajuste às evidências igualmente bem. Segundo Crews (1998), a estrutura epistemológica da psicanálise torna o desenvolvimento do movimento psicanalítico “drasticamente centrifugal, gerando cisões cada vez mais numerosas de escolas e facções excomungando-se mutuamente” (veja também Gordin, 2012, p. 202).
Nas caças às bruxas do início do período moderno, os vários infortúnios e desastres que ocasionaram as caçadas poderiam também ser “explicados” de uma variedade de maneiras diferentes, com diferentes culpados e diferentes mecanismos. Na maioria dos casos, tais explicações não precisavam ser mutuamente excludentes, visto que diferentes bruxas e diferentes feitiços poderiam ser vistos como contribuindo ao mesmo resultado (como uma doença ou um desastre natural). No entanto, a demonstração mais vívida da “subdeterminação pelas evidências” das crenças em bruxaria, e da sua arbitrariedade consequente, é que às vezes os próprios indivíduos que haviam iniciado ou comandado os julgamentos de bruxas acabavam na estaca. O fato de que argumentos céticos sempre podiam ser desarmados era uma característica atraente aos caçadores de bruxas contanto que as acusações de bruxaria fossem direcionadas aos outros. Mas devido à arbitrariedade das explicações de bruxaria, a dinâmica acusatória poderia facilmente sair do controle, também alvejando pessoas que inicialmente contribuíram aos julgamentos. Na pequena localidade franconiana de Zeil, na Alemanha, a população exigiu uma caça às bruxas depois que uma súbita geada em maio de 1626 destruiu as colheitas. Mas o entusiasmo da perseguição vacilou quando correntes de acusações começaram a se ampliar para grande parte da população, incluindo alguns daqueles que haviam iniciado os julgamentos. A localidade acabou sendo despovoada em grande medida, e muito mal uma família manteve-se intacta (Gehm, 1999; Stickler, 1994).
Ou considere o destino do homem mais rico na cidade alemã de Trier e o presidente da sua universidade, Dietrich Flade. Inicialmente, Flade havia apoiado os julgamentos de bruxas e, em sua função como oficial de justiça da localidade, ele próprio até operou como um caçador de bruxas notoriamente severo. Mas em algum ponto, as supostas bruxas começaram a apontar Fade como um de seus cúmplices e, dentro da doutrina da bruxaria, isso era difícil de rebater. Os amigos de Flade propuseram que ele não poderia ser uma bruxa, visto que ele próprio havia perseguido bruxas. Mas essa defesa não teve muito impacto. Afinal, as bruxas não estavam sempre tentando engenhosamente ludibriar as pessoas, por exemplo, apresentando-se como caçadores de bruxas? Em 18 de setembro de 1589, Flade foi primeiro estrangulado e depois queimado em público à plena vista de quase toda a população da cidade (Dillinger, 1999; Hofhuis, 2022).
Numa linha semelhante – mas num sentido menos literal –, os crentes em teorias da conspiração e psicanalistas também se tornam às vezes “vítimas” da mesma lógica conspiratória que eles direcionam aos outros. Por exemplo, quando o influente teórico da conspiração Thierry Meyssan sugeriu que no 11/9 o Pentágono foi atingido por algum tipo de míssil em vez de um avião de passageiros, outros teóricos da conspiração do 11/9 foram além e argumentaram que o próprio Meyssan é um agente do Estado Profundo que se havia infiltrado em comunidades de teóricos da conspiração para semear dúvidas e desacreditar a comunidade da teoria da conspiração (Sunstein and Vermeule, 2009, p. 223). De modo análogo, as diferentes escolas da psicanálise após Freud se voltaram umas contra as outras, explicando as dissidências em termos internos à teoria. Como os historiadores do movimento psicanalítico observaram, Freud criou o hábito de acusar discípulos renegados de abrigar algum desejo recalcado ou complexo irresolvido que justificava mais tratamento psicanalítico. Essa recorrente “patologização da dissidência” (Borch-Jacobsen and Shamdasani, 2011, p. 85) na história do movimento da psicanálise foi o único modo de deslegitimar concepções alternativas da psicanálise, e assim encobrir a essencial arbitrariedade da teoria. Não é de surpreender que aqueles discípulos renegados retribuíram o favor ao direcionar a sua lógica patologizante aos seus ex-mestres (Borch-Jacobsen and Shamdasani, 2011; Sulloway, 1992).
No caso das perseguições de bruxas no início do período moderno, vimos que a doutrina da bruxaria beneficiava-se da arbitrariedade de invocarem-se ilusões demoníacas para fazer qualquer descoberta ajustar-se à sua narrativa. Ironicamente, os seus oponentes mais ferrenhos fizeram uso exatamente da mesma linha de raciocínio. Muitos críticos contemporâneos da caça às bruxas argumentaram que os próprios caçadores de bruxas haviam sido vítimas de enganações diabólicas (Hofhuis, 2022, pp. 310–329). Na sua visão, o Diabo era o idealizador maligno por trás de todo o sistema da caça às bruxas, estando ele ávido para gerar o sofrimento humano dos julgamentos das bruxas, bem como fazer as pessoas arruinarem suas almas ao matarem os inocentes. É assim que também deveríamos ler a citação de Johann Weyer mencionada acima sobre o “inextricável labirinto”. Na sua visão, era Satanás que havia criado o sistema de crenças ilusório do qual nenhuma escapatória era possível: “De uma longa experiência, aquele velho tecelão matreiro sabe tecer tais redes habilmente.” (Weyer, 1998, p. 522.)
Os objetivos humanitários dos céticos quanto à bruxaria eram louváveis, mas alguns dos seus argumentos eram tão arbitrários quanto os daqueles dos caçadores de bruxas. Supostos eventos que eram propostos como evidências de bruxaria, como pessoas cuspindo unhas ou falando com vozes estranhas, eram ignorados como enganações diabólicas (Hofhuis 2022, p. 318-24). Weyer, por exemplo, alegou que demônios colocavam unhas nas bocas das pessoas, para que outros interpretassem a presença delas como evidências de bruxaria e começassem um julgamento conformemente. Essa arbitrariedade podia dificultar as coisas para as pessoas na época. A estudiosa literária francesa Marianne Closson observa que “reinava uma grande confusão: como se poderia saber a verdadeira natureza da ilusão diabólica? A falta de uma resposta sólida a essa questão alimentou o medo nas pessoas de elas próprias serem vítimas das enganações do Diabo” (Closson, 2000, p. 32)8. Se as pessoas consideravam algo real ou ilusório poderia, no fim das contas, simplesmente depender do que parecia mais conveniente ou plausível. O “trunfo da demonologia” é do que Dillinger chama a ideia da enganação diabólica: ela poderia ser invocada para neutralizar qualquer fenômeno ostensivo que parecesse inadequado (Dillinger 2018, p. 45)9.
4.2. Determinantes culturais e ideológicos
Porque as evidências empíricas não podem fixar os parâmetros de um buraco negro epistêmico, isso dá carta branca para outros fatores não evidenciais. Tipicamente, o que vemos é que o sistema de crenças se adaptará ao ambiente cultural local, refletindo as mudanças nos sentimentos e preocupações culturais. Um exemplo marcante é oferecido pelo destino de teorias da conspiração antissemitas sobre os perigos da “Judiaria Mundial” durante o século passado. O preconceito e a hostilidade contra minorias judias têm uma longa e sórdida história na Cristandade (e também, numa menor medida, no mundo islâmico), datando de muitos séculos. Não obstante, formas contemporâneas de antissemistismo conspiratório, que se mostram obcecadas por uma conspiração global da comunidade judia internacional, só surgiram no final do século XIX (Pipes, 1999). Diferentes de formas anteriores de animosidades antijudias, como o libelo de sangue na Idade Média, no qual motivos explicitamente religiosos tiveram um papel essencial, o novo antissemitismo era frequentemente alimentado por elementos de sangue e raça, em harmonia com as teorias pseudocientíficas emergentes sobre taxonomias raciais. No contexto da emancipação do povo judeu e da sua integração na vida pública em muitas nações europeias, e especialmente do seu papel proeminente no mundo financeiro e comercial, surgiram teorias da conspiração sobre organizações judias puxando as cordas da economia mundial. À altura do início do século XX, o conspiracionismo antissemita ganhou ascendência por todo o mundo ocidental, aparecendo em versões tanto de esquerda quanto de direita, e documentos como os Protocolos dos Sábios de Sião foram amplamente lidos e levados a sério. Nos anos 1940, a versão de direita do conspiracionismo antissemita culminou no fanatismo genocida da Alemanha nazista.
No entanto, com o resultado da Segunda Guerra Mundial, os judeus desapareceram abruptamente da literatura conspiracionista. Isso nada tinha a ver com novas evidências. Em vez disso, a repulsa generalizada ao nazismo levou os teóricos da conspiração a abandonar ou minimizar os judeus na sua teorização conspiracionista. Como alternativa, eles recorreram a outros culpados, como a CIA ou o FBI, que refletiam a dominância econômica e cultural dos Estados Unidos como a nova superpotência global. Outros alvos favoritos se tornaram as Nações Unidas e o Grupo Bilderberg, uma organização transnacional de líderes políticos e outras elites que realiza conferências anuais desde 1954 e que, devido a sua notória privacidade e sigilo, era um alvo ideal para os teóricos da conspiração.
Em suma, essa mudança passando dos judeus para outros perpetradores não refletia nenhuma nova evidência, mas foi movida por “circunstâncias sociais e políticas cambiantes” (Byford, 2011, p. 97). É digno de nota que, em anos recentes, os judeus tenham feito um retorno à cena conspiratória. Provavelmente, com os horrores do Holocausto esvaindo-se da memória coletiva, e com a crítica a Israel e ao sionismo tornando-se mais politicamente respeitável, o tabu sobre o antissemitismo perdeu sua força em muitos países. Como resultado, teorias da conspiração antissemitas antiquadas apareceram na cena, na forma do antissionismo na esquerda e na forma de um conspiracionismo racializado na direita. Um exemplo notável é o rumor disseminado (falso) de que nenhum judeu estava presente nas Torres Gêmeas durante os ataques de 11/9, pois, de alguma forma, haviam sido avisados sobre os iminentes acidentes de avião.
Crenças sobre os perpetradores e os crimes de bruxaria diabólica também refletem determinantes culturais e ideológicos. Quando a era da caça às bruxas europeia começou nos Alpes Ocidentais perto do ano de 1430, o alegado crime não era ainda especificamente associado às mulheres. Não obstante, dentro do contexto de misoginia generalizada e desequilíbrio de poder entre os sexos, não é de surpreender que as mulheres logo tenham sido desproporcionalmente atacadas. As mulheres eram amplamente vistas como mais libidinosas, supersticiosas e irracionais que os homens. Logo, fazia sentido pensar que era relativamente mais fácil para o Diabo seduzi-las para a bruxaria através de relações sexuais e fazê-las renunciar a Deus (Rowlands, 2013). Mas o conceito de bruxaria permaneceu maleável o bastante para integrar outras tendências culturais e ideológicas. No final do século XVI, partes da Europa sofreram de uma enorme aflição econômica, estimulando um aumento de agressões contra supostas elites corruptas que se enriqueciam às custas dos outros. Refletindo essa tendência, as crenças em bruxaria e os julgamentos subsequentes começaram cada vez mais a focar em bruxas que eram ricas, homens e poderosas – o supracitado Dietrich Flade é um caso em questão (Behringer, 2008, pp. 230–45; Dillinger, 1999; Hofhuis, 2022).
A história da psicanálise oferece um exemplo semelhante de como desenvolvimentos teóricos podem refletir uma mudança no ambiente cultural, em vez de uma mudança na base evidencial. Nos primeiros dias da psicanálise, Freud promoveu o conceito da inveja do pênis como uma das mais importantes descobertas da psicanálise. Segundo Freud, o desenvolvimento da psique feminina gira em torno do desejo de possuir um pênis. Conforme uma garotinha descobre que seu corpo carece do prezado apêndice, todo o seu processo de maturação psicológica está sendo construído em torno do desejo inconsciente de ter um pênis, e seu ressentimento quanto a esse desejo não ser realizado. Nos casos mais favoráveis, o desejo por um pênis é posteriormente substituído por um desejo de ter um bebê. A inveja do pênis, segundo Freud, não era um desejo peculiar que ocorria em algumas mulheres, mas uma lei universal e geral da psicologia feminina.
No entanto, na segunda metade do século XX, a doutrina da inveja universal do pênis começou a desaparecer da literatura psicanalítica. É improvável que essa mudança teórica tenha sido movida por uma mudança na base de evidências, pois Freud e seus seguidores haviam confirmado a existência da inveja do pênis em numerosos casos, e o método de investigação permaneceu inalterado. Como o filósofo Frank Cioffi perguntou retoricamente: “Quando foi que as mulheres pararam de querer pênis?” (Cioffi, 1998, p. 27.) Como no caso dos judeus desaparecendo da literatura conspiracionista, a noção de inveja universal do pênis simplesmente se tornou ideologicamente impalatável. Críticas feministas expuseram as conotações sexistas e misóginas da teoria “falocêntrica” que Freud tinha da psique feminina, e algumas psicanalistas feministas como Melanie Klein e Karen Horney propuseram conceitos alternativos como inveja do seio e inveja do útero e da vagina (Sayers, 1987). Mas esses conceitos eram igualmente arbitrários e indeterminados pelas evidências. Assim como a proeminência ou a ausência “dos judeus” nas teorias da conspiração refletiam a mudança no destino cultural do antissemitismo, o conteúdo específico da teoria psicanalítica tendia a refletir a mudança nas sensibilidades culturais, ao invés da mudança nas evidências (Cioffi, 1998).
5. Conclusão
Este artigo analisou a epistemologia distorcida e a dinâmica cultural dos buracos negors epistêmicos, sistemas de crenças que são autoisolantes e extremamente resistentes a desafios externos. Esta análise complementa explicações psicológicas sobre o apelo universal de tais sistemas de crenças, assim como explicações históricas e sociológicas mais contingentes sobre o seu sucesso em certos ambientes culturais. Por exemplo, embora seja plausível que na mente humana tenham evoluído tendências para detectar conspirações exageradamente (van Prooijen and Van Vugt, 2018), a extrema resiliência das teorias da conspiração a contraevidências e críticas também ajudam a explicar o seu apelo perene e persistência transcultural. Os exemplos mais notáveis de tais buracos negros epistêmicos são teorias da conspiração infundadas sobre eventos históricos, mas exemplos menos óbvios incluem a psicanálise freudiana, assim como sistemas de crenças religiosos e sobrenaturais, notadamente o conceito cumulativo da bruxaria na Europa do início do período moderno. Ao postularem agências inteligentes que propositalmente evadem a detecção, esses sistemas de crenças são, por sua própria natureza, resistentes a desafios externos.
Esta análise epistemológica também nos ajuda a entender o desenvolvimento cultural e a dinâmica dos buracos negros epistêmicos. O mais importante: por causa da sua extrema resiliência a contraevidências, buracos negros sofrem de um problema radical de subdeterminação. Como resultado disso, tais sistemas de crenças tendem a ser instáveis e vulneráveis a desarranjos internos, dado que os crentes sempre podem elaborar versões rivais que acomodam as evidências igualmente bem. Em outros casos, vemos que a evolução de tais sistemas de crenças se acomoda flexivelmente a mudanças em circunstâncias e sensibilidades culturais.
Finalmente, cremos que esta análise epistemológica pode ser útil para propósitos pedagógicos. Ao entenderem a lógica autoisolante de teorias da conspiração e outros buracos negros epistêmicos, as pessoas podem apreciar melhor a natureza arbitrária e gratuita de tais crenças. Ao verem como, utilizando os mesmo tipos de inferências e evidências, podem-se forjar teorias inteiramente diferentes que são igualmente plausíveis e igualmente compatíveis com as evidências, as pessoas talvez sejam melhor “imunizadas” contra a atração de tais sistemas de crenças irracionais (Norman, 2021; Boudry and Hofhuis, 2018).
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- Em anos recentes, vários filósofos têm desafiado a noção de que “teorias da conspiração” sofrem de algum tipo de deficiência geral, argumentando que toda teoria da conspiração deveria ser avaliada com base em seus próprios méritos. Para uma defesa desse “particularismo”, veja (Dentith, 2018a, 2018b, 2019; Buenting and Taylor, 2010; Pigden. 1995). para uma defesa de posições mais “generalistas”, veja (Stokes, 2018; Harris, 2018). ↩︎
- Uma lista de impressões contemporâneas dos Protocolos pode ser encontrada na Wikipédia: bit.ly/3qU7W7a ↩︎
- “Alternamos estes dias de vitória e derrota entre as pessoas para que Alá possa revelar os crentes verdadeiros, escolher os mártires entre vós […] Pensais que entrareis no Paraíso sem que Alá proveja quais entre vós verdadeiramente batalharam por Sua causa e pacientemente perseveraram?” (Quran 3:137-140). ↩︎
- Historiadores passados frequentemente argumentaram que perseguições de bruxas foram uma astuta ferramenta, utilizada para alcançar alguma finalidade oculta, como oprimir as mulheres, destruir a cultura camponesa tradicional, conseguir dinheiro ou subjugar os pobres. No entanto, nas últimas décadas, a maioria dos especialistas chegaram à conclusão de que muitas perseguições de bruxas mais provavelmente foram movidas por pânicos genuínos sobre os supostos perigos da bruxaria (Scarre and Callow, 2001). “Crenças em bruxas não eram um truque; o medo era muito real”, declara Johannes Dillinger (Dillinger, 2018, p. 127). Ou como diz Julian Goodare: “uma acusação de bruxaria não se tratava ‘realmente’ de outra coisa; tratava-se realmente de bruxaria.” (Goodare, 2016, p. 385). ↩︎
- É interessante que a analogia entre a psicanálise freudiana e a demonologia medieval pode ser estendida para além do nível da epistemologia. Nos primeiros dias da sua carreira psicanalítica (perto dos anos 1890), Freud tomou as “memórias” infantis extraídas dos seus pacientes sobre abusos sexuais macabros e sádicos (que eram, na realidade, confabuladas sob a intensa pressão do terapeuta) como traços mnemônicos filogenéticos de uma “religião do diabo primeva” que praticava abuso sexual rutalístico. Além disso, Freud especulou que as confissões extraídas sob tortura durante os julgamentos de bruxas na Europa derivavam de memórias reais de abuso sexual infantil, extraídas pela severa terapia dos juízes das bruxas”. (Crews, 2017, pp. 498-505.) ↩︎
- Texto francês Original: “l’hostilité au modèle freudien relève moins de la discussion scientifique que de la résistance des savants eux-mêmes à leur propre inconscient.” (Roudinesco 1999, 73) ↩︎
- ‘Debunking the 9/11 Myths: The Airplanes’, Popular Mechanics, Sep. 10, 2021. https://www.popularmechanics.com/military/a5654/debunking-911-myths-planes/ ↩︎
- Traduzido do francês original: “grande confusion règne : comment savoir en effet la véritable nature de l’illusion diabolique ? L’absence de réponse ferme à cette question attise la peur d’être soi-même victime des tromperies du diable.” ↩︎
- Traduzido do alemão original: “Joker der Dämonologie” ↩︎